Uma fileira de prédios, uma rua, escadas onde se emparelham crianças. Um estádio com relvado de cimento, tardes poeirentas, joelhos esfolados, heróis e ciganos que roubam bolas. O bairro a ficar mais comprido e novas escadas, mais gente. Corridas e calores tensos de fim de tarde. Já bandos de miúdos, já se escolhem amizades. Sobem risos e berros cortando o zumbido das horas que passam sem nada fazer. Motas, namoradas, façanhas e regressos gloriosos. Mortes. A vida a crescer, a fazer-se valer. Coisas que se contam em conversas preguiçosas pelo fim das noites entre cigarros, ganzas e grandes amizades. Desfiam-se licenciaturas, artes e outros jeitos que cada um inventa a fazer o seu futuro. Partem dali muitas estradas e os fins de tarde são agora mais distraídos. Já só por acaso as escadas os juntam, barbudos, até carecas, quase sempre de passagem. A cidade de fora cresce, engole-os, uns não voltam, nem tão-pouco se despedem – de quem afinal? outros mais tarde retornam sem avisar. A vida esticou-se e partiu-se em muitos pedaços diferentes e os miúdos, crescidos, ficaram distantes. Visitas de fins-de-semana, bicas, histórias e reencontros rápidos, quase só acenos.
Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.
Aspirando ao Templo Místico do Ser
Há 1 dia
5 comentários:
Olivais, ontem e hoje.....
Nós...
em 250 palavras certeiras.
Excelente!
que seja um regresso no tempo de uma bica, de um comentário, que seja um jantar ou um fim-de-semana, um post, uma nova vida.
quanto à tua nostálgica interrogação, ai Fulancunda, não teremos resposta outra que não senti-la envelhecer dentro de nós.
(ainda bem que estás por aqui)
os bairros também envelhecem
mas para sempre na nossa memória ficarão esses tempos vividos nas ruas dessa enorme aldeia
Fiquei a pensar com essa do semaforo. Durante as muitas noites quentes de Verao - em que ficavamos na rua ate altas horas por estar demasiado calor, por as aulas terem acabado, por termos e nao termos nada para fazer, por espirito de bando e por nao haver semafaros - falavamos, conversavamos, disparatavamos, as vezes ficavamos a espera de um acidente (tinhamos de facto muito tempo) e comentavamos prazenteiros e com satisfacao futiristica que um dia ate semafaros haveria na nossa rua. Ainda la nao estao, mas estao um pouco mais a frente, depois do Draivimpe.
E de facto voltamos sempre. Estive la no fim de semana passado, vi a Lucinderela (de quem deixamos de ter medo para ai aos 10 anos) e o Sr. Carlos que foi em tempos um dos pimentas que nos afugentava. La ficamos na conversa.
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