sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Natal e abafadores translúcidos e sorridentes‏

Bom dia!

Falou-se várias vezes neste blogue, ultimamente, de berlindes, guelas, bilas e...abafadores, aqueles berlindes enormes que faziam já não sei o quê aos outros, mais maneirinhos. Pois há anos que eu não via um abafador. Os meus filhos tiveram berlindes, sacos enormes cheinhos de berlindes, mas, com os anos, todos foram desparecendo, levados pelo acaso e pelo esquecimento.Talvez um dia sejam encontrados debaixo do solo, por uma civilização qualquer que já não brinca com berlindes, e que se interrogará por que razão aquela civilização perdida terá construído objectos tais, redondos como planetas num microcosmo qualquer.

Pois um destes dias, nas arrumações que sempre faço antes do Natal, e enqunato procurava algo de completamente diferente, talvez a chave de um armário ou uma lanterna, deparo-me, no meio de um monte de coisas sem nome nem destino, ao fundo de uma pequena gaveta, com um...abafador. Sozinho, sem maneirinhos à volta para «abafar», isolado no tempo e no espaço, ali estava ele, verde, translúcido, enorme, solitário, lindo!.... Ocorreu-me imediatamente o que Jung andou a dizer sobre a sincronicidade, ou seja, a possibilidade de não existirem acasos, de não haver coincidências, mas sim um entrelaçamento, como se estuda na física quântica, de factos e acontecimentos encadeados que levam a um único destino, sempre. Ali estava um abafador dos velhos tempos, piscando-me o olho, sorridente e feliz por ter sido encontrado. Sorri também. Ei-lo! Há anos que não falava nem em berlindes nem em abafadores e ei-lo ali, de repente, poucos dias depois de ter relido alguns dos textos aqui no blogue sobre o Tempo dos Berlindes. Guardei-o, desta vez num lugar especial. E, daqui a uns anos, quando de novo abrir a caixa em que o guardei, lembrar-me-ei de certeza da razão por que o fiz. Algo vaga, mas que talvez tenha a ver com isto: o passado está sempre presente, de uma maneira ou de outra, infiltrado em tudo o que fazemos e dizemos. Bom ou mau, é o que somos agora: presentes do passado num futuro que com estes se entrelaça. E, como falamos de presentes e estamos em época deles, aproveito para desejar a todos um Bom Natal, com tantas coisas boas e que vos tragam tanta felicidade como um dia este «abafador» trouxe a alguém. Um Natal lindo, verde, translúcido, que «abafe» todas as tristezas e faça resplandecer o espírito de todos os meninos, de todas as meninas, de qualquer idade.

FELIZ NATAL!

por Maria Correia


Nota editorial: Esta contribuição havia sido enviada para os bastidores deste blogue, pela sua autora, com a antecipação suficiente ao dia natalício a que faz referência. Só a inépcia desta equipa de administradores do blog, que apesar de serem muitos não servem de muito para a unica função que têm a cumprir: editar, e muito menos em época de rabanadas, impediu a sua publicação atempada. Não obstante, e porque este texto evoca muito para além do natal, acreditamos que não perderá oportunidade mesmo que com esta lamentada edição tardia. À autora, as nossas desculpas.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

apenas para manifestar o desejo

do melhor natal possível
para todos os olivalenses e suas famílias,

e pronto, para o resto da humanidade também, vá lá.


(espaço reservado a um boneco alusivo que um dia um de nós aqui há-de deixar)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

estória (comprida) na esquadra dos olivais

"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

Esta sentença, ouvia-a eu da boca de um meritíssimo juiz no Palácio de Justiça de Lisboa no dia 14 de Junho de 1984.

Tudo começou a meio da manhã dessa quinta-feira quando saí de casa na minha Vespa amarela (fiel companhia que ainda hoje mantenho), para uma recolha de agriões em casa de fornecedor amigo e que por mero acaso não estava em casa. No caminho de retorno encontrei, um Novo Redondo bom e velho parceiro de muitas horas olivalenses e sesimbrenses.
“Bute aí, levo-te a casa” – convidei eu.

Junto à paragem do 21 próximo da igreja, a tal que o Fula incluiu em roteiro turístico proposto a uma “Intrusa” que por aqui passou, o percurso foi interrompido por uma arreliadora sirene que se declarou, atraída pela ausência de capacete do amigo Novo Redondo.
Acontece que por má fortuna minha, não foi a única ausência que captou a atenção do Xô Guarda que nos interpelou. Interessou-se igualmente pelo facto de eu estar a conduzir uma mota de 125 c.c. sem estar para tal habilitado, isto é: “… não tem carta de condução???”
Ouvi então a primeira sentença do dia: “Todos para a esquadra… e já!”
A firmeza autoritária de um fardado, só encontra paralelo na cobardia da sua versão civil, testemunhei eu na minha passagem pela instituição militar.

Chegados ao posto, fomos intimados a aguardar, nos característicos bancos de “sumápau” que decoram as esquadras. Nesta altura já se tinha atenuado o receio que revistassem a Vespa e me fosse pedida justificação para a existência de uma balança na “mala” da viatura. Em boa verdade, tudo é possível na cabeça de um polícia, incluindo não entender que é perfeitamente normal andar a passear pelos Olivais com uma balança, “debaixo do braço”.
Enquanto isso, o “nosso” polícia ia entrando e saindo da esquadra sem demonstrar grande pressa em iniciar a tramitação processual. De tal modo, que me convenci da intenção do agente em nos “pregar uma grande seca”, e em seguida mandar-nos em paz para o afago do lar, para onde ele iria igualmente quando terminasse o seu turno a meio da tarde.

Aqui chegados, convém lembrar que o tal dia 14 de Junho de 1984, não era, futebolisticamente falando, um dia qualquer. Nesse dia, a selecção nacional jogava com a Alemanha Federal (ou Ocidental como também era conhecida), o primeiro jogo da fase final do Campeonato da Europa, campeonato esse onde nunca tínhamos participado e que apenas encontrava importância análoga no Campeonato do Mundo em 1966(!). Certamente que estaria nesse acontecimento a explicação para o facto do polícia não pretender avançar com situações que poderiam muito bem desaguar em trabalho extraordinário.

Tudo se encaminhava para um fim feliz como no mais feérico dos contos, quando o Novo Redondo desta estória resolveu na melhor tradição olivalense, questionar o cumprimento das regras de boa conduta policial afixadas em quadro na parede do “estabelecimento”.

“O polícia apresenta-se sempre bem ataviado”
Sonora risada e comentário pouco abonatório.
“O polícia dirige-se educadamente aos cidadãos” sonora risada e comentário pouco abonatório.
E foram-se sucedendo as sonoras risadas e os comentários pouco abonatórios.
De tal modo que o sub-chefe de serviço, furioso e agastado com as observações, aproveitou uma ausência do polícia responsável pela detenção, e comunicou com o Tribunal de Polícia na Av. Marquês da Fronteira informando que se iria apresentar para julgamento um “meliante” que conduzia sem carta de condução.
E assim mesmo sucedeu.
O Novo Redondo foi mandado em paz para casa e após séria discussão entre o sub-chefe e o polícia da detenção lá foi este, contrariado e mais aborrecido que um deputado em dia de plenário na A.R. acompanhar-me ao julgamento no Palácio de Justiça de Lisboa.

No percurso, afinámos a estratégia para que tudo se desenrolasse de forma célere e limpa, pelo menos para o meu cadastro.

Arribei ao Palácio acreditando que o depoimento favorável do representante da autoridade, aliado a duas ou três lágrimas de crocodilo, me fariam passar incólume na sentença judicial.

AZAR o meu…
O meritíssimo de serviço, partilhava do nosso gosto pelo futebol e tanto assim era que já tinha recolhido a casa deixando o contacto telefónico para a eventualidade de algum “fora-da-lei” aparecer mas certamente convicto que tal não iria suceder.
AZAR o dele… e o meu!

Obviamente que quando o telefone tocou e foi informado de que havia “trabalho”, a minha condenação ficou garantida. E com toda a razão, acrescento eu. Não se interrompe impunemente a pacatez caseira de um juiz de serviço ao Tribunal de Polícia no Palácio de Justiça.

O julgamento foi rápido e no melhor estilo antes de ser já o era, fazendo lembrar Guantanamo.

Cumprimos todos a nossa missão:
Eu ofereci comoventes, intensas e sentidas gotas lacrimejares que réptil algum seria capaz de igualar;
O Xô Guarda enalteceu todas as minhas qualidades humanas, fina educação, trato irrepreensível e todos os encómios que a inspiração proveniente da vontade de ir assistir ao jogo rapidamente, lhe fornecia;
O Sr. Dr. Juiz, foi ligeiro e assertivo:
"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

P.S (1). Esta estória teve um final tântrico. Apenas terminou 13 meses depois quando paguei a última prestação da coima. Tinha terminado a tropa e estando impedido de voltar a estudar por ter atingido o limite parental de 3 anos escolares chumbados, encontrava-me na situação de desempregado sem capacidade financeira para pagar a multa.
A solução mais natural foi solicitar um empréstimo aos meus progenitores. Para minha grande surpresa resolveram dar-me uma lição.
“Estás sem dinheiro? Não tens rendimentos? Explica isso ao juiz e pede para pagares em suaves prestações” E assim foi, pedido apresentado, deferimento conseguido e após a liquidação da primeira prestação de 3.500$00, dirigi-me invariavelmente, no início dos doze meses seguintes à C.G.D. do Palácio da Justiça com as respectivas guias preenchidas, pagar os 1.000$00 acordados.
Não sei bem porquê, tornei-me averso a multas e foram muitas poucas as que tive até hoje.

P.S. (2) Portugal empatou 0-0 com a Alemanha Federal. 5 anos depois deixou de ser Federal porque alguém se encostou a um muro que por lá havia, derrubou-o e ficou vazio um mastro na sede da ONU.

xai-xai

actualização de links (*)






Na coluna da esquerda foram suprimidos da secção "oliveiras por aí espalhadas" três blog's de autores com origens olivalenses que há um tempo significativo nada editam, a saber: "a memória inventada", "colheita de 63" e "antigamente". Estes blog's, porque continuam disponíveis, transitarão então para uma nova secção a que chamámos "oliveiras em pousio" para que assim os distingamos daqueles que continuam com uma actividade de edição regular.

Não se retiraram ainda desse espaço outros blog's que neste momento se encontram com declarações de encerramento por se levantarem duvidas sobre a efectiva irreversibilidade dessa determinação, já que os seus veteranos autores são várias vezes reincidentes nesta intenção de mortalidade dos seus blog's. É o caso do "apenas+1", sete vezes autodeclarado defunto e do "ma-schamba" que, senão tantas, outras muitas vezes se (re)encerrou também. Vigiaremos de perto os humores desses sítios antes da excisão final.

Entretanto têm sido acrescentados novos links a blogs de olivalenses sempre que estes nos forem notados, como foram recentemente os casos do "nuno fonseca (illustration)" e do "os amigos de alex". Aproveitamos para fazer um apelo a quem souber de outros blog's que por essa condição devam ser aqui divulgados que façam o favor de nos informar.


(*) ou Elos - de acordo com a ortodoxia do léxico português veementemente defendida pelo saudoso Bolama

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Oa amigos

Haverei de escrever sobre isto, os amigos, penso enquanto o carro roda a alta velocidade na direcção Sevilha-Lisboa. Desta vez vamos por baixo, pelo sul, um caminho que eu fiz a primeira vez imaginariamente, quando resolvia o itinerário de uma personagem, a Esmeralda, que durante alguns anos fez a sua travessia do inferno pelos bares de alterne à beira da estrada, entre Huelva e Granada. É o Xai-Xai que conduz. Pelo espelho retrovisor olho-o e vou-me divertindo a tentar descobrir o meu amigo de primeira adolescência. Tinha o cabelo mais comprido, eu sei. Era mais doce também, éramos todos. Ainda não tinhamos tantos tiques, tantos trejeitos, tantos gestos repetidos. Mas parece-me o mesmo, pelo menos fisicamente, pelo menos no pequeno recorte de gente que um espelho retrovisor é capaz de fazer. O seu cabelo escuro, sem entradas nem madeixas brancas ajuda. É claro que mais tarde, quando ele puser os óculos eu vou pensar, ele vai ser o que, de todos, vai ficar mais parecido com o seu pai, mas agora, sem lentes, naquele pedaço de rosto, parece-me tão igual ao que ele era. Ao seu lado está a C. a sua mulher e ao meu lado a D., a minha namorada, e elas, sem sequer precisarem de abrir a boca contam de nós a história que falta mas naquele momento em que o olho é como se a mim mesmo se me visse naquilo que eu também fui e cuja narrativa fui esquecendo. Quando vejo nele, quando consigo ver nele o Xai-Xai de há trinta anos, e porque não me vejo a mim senão através desta projecção, é também a mim que me vejo, há trinta anos. Vou assim, de Sevilha a Lisboa numa viagem que é mais do que isso, uma peregrinação pelas minhas memórias, por memórias que eu não sabia existirem. O leite nido com nesquik arranjado pela Urânia, a empregada do Xai. Aqueles lanches latagões do ZAC que queria crescer, ser forte e robusto. Os fins de tarde, até, do andar debaixo algum dos meus irmãos me virem chamar para jantar - e eu hoje já sei o que o meu filho passa quando eu tenho de interromper as suas brincadeiras com os amigos para o chamar para jantar - e dos quais já não recordo nada senão esse sentimento de conforto que tinha. O pai do Xai que chegava e que trazia sempre fato e gravata e uma mala preta de negócios. As escavações de fósseis no termo do prédio. As tardes de futebol. A certa altura eu e o Xai declinamos em voz alta os nomes das equipas, dos craques. Não tenho nostalgia pelos lugares perdidos e a infância será sempre um lugar perdido. Tenho algum desconsolo porque por vezes me parece que o céu era mais azul, que o sol e o próprio tempo fiavam de outra maneira, mas não tenho nostalgia. E o mais curioso de tudo isto: ao olhar os objectivos deste blogue, o destravar do rememorejar, poder-se-ía pensar que o que verdadeiramente nos une é uma espécie de regresso ao passado. E não é, descubro naquele recorte de rosto que o espelho retrovisor consegue capturar, como já o tinha intuído no bem estar com que me sentava àquelas mesas de pinchos e tapas, aquilo que verdadeiramente nos une, e o Fula disse-o dois ou três posts abaixo, é a percepção daquilo que nunca saberíamos entender há cerca de trinta anos: que a diferença pode aproximar. Vejo-me neles, neste pequeno grupo de ciclistas para a fotografia das ruas de Sevilha, no gosto de acamaradar, de descobrir, de partilhar. A diferença e o tempo trataram-nos bem, entretanto.

Apontamentos de Sevilha

A certa altura os nossos passos levaram-nos àquela igreja, da qual já não recordo o nome, que tinha um monumental altar, todo encrastado em talha, do chão até ao tecto. Era monumental. Espalhámo-nos pela ala lateral para não interferirmos com o ofício religioso que decorria. Na zona central da igreja, no púlpito, um padre falava aos seus fiéis, muito poucos. Aliás a dimensão do espaço, o gigantismo da sua construção, da pedra, da talha e de todos os ornamentos que mais pareciam fazer desaparecer a pequena legião de paroquianos que escutavam o sermão, já de si introduzia uma nota dissonante: o padre perorava sobre o peso dos objectos na nossa vida, da manifestação apoteótica do material, e fazia-o num lugar que era por si próprio a exaltação e a exarcerbação da ostentação e da conversão das paisagens imateriais ao domínio do objecto, da matéria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

é só varejar a blogosfera

... e é vê-las cair !

mais uma azeitona,
mais um testemunho

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

que os destinos são apenas o território onde nos juntamos aos que connosco lá chegam


Este fim-de-semana fomos a Sevilha. Dia 1 de Dezembro (essa exaltação pátria do tareão com que despachámos aquela malta e enviámos o outro da varanda abaixo) não se afigura ser um dia muito oportuno para ir a terras de Espanha, mas a verdade é que lá os dias não estavam tão ásperos - pelo menos não choviam vendavais como retratavam as notícias que nos chegavam daqui de longe.

Sevilha é Sevilha e não haverá muito para acrescentar às tapas, ao tablao e à giralda que todos certamente já conhecemos. O que varia em Sevilha serão as companhias com que, de cada vez, a desfrutamos. Desta vez fomos com malta da nossa criação, todos gente daqui também, deste blog, pela mesma condição.

Esta Sevilha foi das melhores. Comentávamos os dois, eu e a minha olivalense, que nunca gente tão diferente parecerá tão igual. O Bengas espirrou um pouco, o Belo guia que nem um louco, o Xai não levava as notas de viagem completas mas, ainda assim, talvez pelas nossas companhias femininas, sublimes, passámos uns dias maravilhosos.









































por Fulacunda

artphoto (c) XaiXai

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

as longas tardes do bilas



















por Beira
A propósito do Urié (Arié, Sr Arié ou Bigó) , deixo uma fala de um texto dramático que evocava este personagem (e também o Ai-Ai). A peça na sua totalidade nunca foi levada à cena mas uma parte, "Urié e Rouxinol, uma história de amor", foi representada, por mim e pela Rosário Figueiral, com encenação de Jorge António (e participação ao vivo do saxofonista João Cabrita) no salão da Igreja Nova dos Olivais. Deixo-o com um desafio aos ases do pincel que por aqui andam: uma ilustração com um dos nossos mais célebres personagens, não vinha mesmo a calhar? Ou sobre o Ai-Ai?

3ª Cena
Urié parte o seu “carro” *



(Urié entra com a árvore. Acelera. Deixa o motor ir abaixo. Empurra a árvore)


Urié A-ora é q' é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Esta-ermo! Por ausa de i eixei o vum-vum i abacho! Nã osso alar e con-uzir ao memo empo! Hã!Hã! Ensas o ê?! O mo-mo -or é a-ui ( bateu com a palma da mão na garganta). É a-ui! A-ora empu- a co-igo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Vum-Vum! A-da! ‘Alta cá a entro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) E-a! E-a! E-a! T-agou-se! Tá t-agado! Abes uanto ustou u-a áquina estas! Sto é u-a á-vo-e! Se ou a-ancar ais á-vo-es ó ale ou p-eso! Ou p-eso! O uarda á m' a-isou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O eu ca-o! (virou-se para Rouxinol) Ão abe o é um ca-o! Isica sê oisa gande! (Atirou o pau fora) Ma-ia da g-andeza! Ma-ia da g-andeza! Ma-ia de oisa g-ande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Ó á! O á! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem ca-ô ! Tem ca-ô e o-ta ba-agens! Ganda ca-o! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) G-anda omba! G-anda omba! A-ece memo um ca-o a sé-io! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote simulando faróis) Té dá pá á-dá á oite! (Olhou para Rouxinol) Éres ár uma ólta! U-a g-anda ólta? (Rouxinol concorda e vai a entrar no carro) E-ra!E-ra! Nã ode er a-im! Em he er omo o inema! (Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) E-u-ra-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) À êm! É o eiro de er ovo! Ab-e a ca-ota!

(Deambulam pelo espaço. A luz dirige-se à casa na árvore, ao piso superior)

3ª cena (tradução)
Urié
Agora é que é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Estafermo! Por tua causa deixei brum-brum ir abaixo! Não posso falar e conduzir ao memo tempo! Hã! Hã! Pensas o quê?! O motor é aqui ( bateu com a palma da mão na garganta). É aqui! Agora empurra comigo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Brum-Brum! Anda! Salta cá para dentro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) Ena! Ena! Ena! Estragou-se! Está estragado! Sabes quanto custou uma máquina destas! Isto é uma árvore! Se vou arrancar mais árvores ao Vale vou preso! Vou preso! O guarda já me avisou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O meu carro! (virou-se para Rouxinol) Não sabe o que é um carro! Precisa ser coisa grande! (Atirou o pau fora) Mania da grandeza! Mania da grandeza! Mania de coisa grande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Olá! Olá! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem capô ! Tem capô e porta bagagens! Grande carro! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) Grande bomba! Grande bomba! Parece mesmo um carro a sério! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote (que está deitado, portanto a parte inferior) simulando faróis) Até dá para andar à noite! (Olhou para Rouxinol) Queres dar uma volta! Uma grande volta? (Rouxinol disse que sim e vai a entrar no carro) Entra! Entra! Não pode ser assim! Tem que ser como no cinema!(Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) Segura-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) Está bem! É o cheiro de ser novo! Abre a capota!

* Excerto da peça "É para os putos que não querem comer a sopa".