segunda-feira, 31 de março de 2008

Chego de férias e o que vejo...

o “animador da Trindade” animou uma bel(o)a ideia;
o “agitador do paralelo 26” agitou ! (desta vez, os sentidos);
o “barraca 33 da Rua 2” falou de mulheres o que é sempre muito positivo;
e no entanto,
quem brilhou verdadeiramente foi o grande “Benguela”,
ao “abrir a janela e fotografar (a) ESCOLA”.
sim! “a” ESCOLA! o laboratório para alguns escolhidos,
era uma escola tão excepcional
que me “ofereci” para repetir o 4º ano (fazia parte da experiência)…
tão excepcional que a registaram com o nome do maior poeta português que não necessitou de molhar manuscritos, nem perder metade do aparelho ocular por causa de uma mulher, para ser grande...


E este “fórum da calçada” está tão animado que até o desenhador escreve. Resta esperar que o escritor “poste” um desenho…
E como não pode ser tudo bom, temos as ausências que teimam, pergunto como a Timor:
Bafatá, esses “passarões” não descem?
Não merecemos a tua presença?
Estás armado em “novo rico” das artes (just a joke…)?
Venham de lá as tuas memórias, é uma ordem !!!

O rapaz que mordia...

. . .
Em Março de 1978 estava a descobrir uns Olivais novos, mais negros e fascinantes que os anteriores.

Tinha chegado à primeira divisão da vida escolar depois de ter andado pelas secções de Chelas e Prodac do D.Dinis.

No ano lectivo anterior já estava no D.Dinis mas de tarde. Era assim uma espécie de limbo. Chegava às aulas quando os da manhã estavam a sair e as manhãs para pouco serviam.

No final desse ano lectivo, quando chegou o verão (de 1977) uma mudança fundamental aconteceu.
Os meus amigos tinham ido de férias e eu sózinho sem saber o que fazer.
Não me lembro muito bem como se passou essa mudança mas penso que um dia me cruzei com o A. que ia com os P. e acabei por me ir encontrando todos os dias com eles que sempre tinham estado ali mesmo ao lado e com quem tinha jogado muitas vezes à bola no maracangalha e que tinham seguido a vida por outra encruzilhada.

Depois os outros regressaram de férias e quando chegaram estava eu com estes novos amigos a conversar.
Olharam-me de lado como se nestas coisas das amizades houvesse algum exclusivo. Começaram a combinar saídas e encontros sem me incluir. Um dia fui a casa de um deles, estavam a preparar-se para sair e lá me disseram para os acompanhar. Tinham um novo grupo e bastou-me um quarto de hora para perceber que não fazia parte dele.
Tinha descoberto que os meus amigos dos últimos 3 anos já não eram os meus amigos.

Tinham feito tudo para me sentir desconfortável.
Os novos amigos faziam tudo para me sentir integrado.

Entretanto Setembro foi-se aproximando do fim.
Todos os dias conhecia pessoas novas.
Os Olivais tinham-se tornado enormes.

As aulas começaram e todos os fins-de-semana havia festas. Umas vezes no S. Marcos outras numa garagem das vivendas da Vila Fontes.
A caminho dessas festas parávamos no Tó para abastecer. Um "sumarino" para o caminho.
O rapaz que mordia tomadas eléctricas tinha-se tornado no amigo inseparável.
Movia-se com elegância nesse novo mundo.
Conhecia toda a gente e toda a gente o conhecia nessas festas cheias de caras novas e de música nova. Nova para mim.
O "Peter Frampton Comes Alive" era um sucesso.
Os Boney M. eram o máximo. Lembro-me de os ouvir em casa das M's, as 3 irmãs do prédio dos coronéis, ou seria dos generais?, ali mesmo ao lado d'A Tosta.
A vida cantada pela Grace Jones era em tons de rosa.
O "New Kid in Town" dos Eagles parecia escrito para mim.

Em casa do Nuno ouvia-se o "Love You Live" dos Stones. E foi aí que também vimos na televisão o concerto deles em Paris "Aux Abattoirs".




(não estavam à espera que colocasse o ras-ras-Rasputine, pois não...)

Esse concerto na tv marcou-me muito mais que o disco.


Foi neste período que conheci o Xai-Xai, o Fulacunda, a Vila Pery, o Bafatá, o Draivimpe, a Timor e mais alguns dos que por aqui circulam. O Bolama ainda estava nos distritais mas não demorou muito a chegar ao nosso campeonato.

No liceu os outros, os antigos amigos, olhavam-me de longe e deviam pensar "coitado, está a estudar para delinquente e está a sair-se bem."

Eu estava-me nas tintas para eles.
Esta nova vida era muito mais interessante que a anterior.

Na minha turma estavam o S. e o S.. O primeiro excelente aluno mas sempre pronto para "o putedo", o segundo, sombra do primeiro, gostava de armar confusão. Nunca havia um momento de tédio ao lado daqueles dois. O Bafatá era de outra turma mas nos intervalos juntávamo-nos todos.

O ano foi decorrendo cada vez mais animado.

As tardes sem aulas tornavam os dias mais longos.
Os intervalos dos Viveiros passaram a fazer parte desses dias e os "flippers" também. E uns lanches n'A Tosta.

No Carnaval fui até Vilamoura. Com os F. mas como havia uma regata o S. também lá estava e foi aí que conheci o Rio. Estavam no melhor hotel da cidade e tudo servia para "fazer putedo". Eram umas atrás das outras e a imaginação era muita. Uma noite acabaram por colocar todas as cadeiras e mesas da esplanada dentro da piscina.
Parece que estava mesmo a estudar para delinquente...

E assim cheguei a Março de 1978.
Foi um mês quente e foi quando apareceram os "skates" e outras caras e cada vez mais maluquices para fazer.

As festas passaram para o Penta e para o Fénix e cada vez mais gente rodava à minha volta.
Algumas coisas começaram a ser "pesadas" demais e tive de começar a ser mais criterioso na escolha das pessoas com quem andava.
Os erros servem para aprender e quem não aprende paga cara a lição.

Estes novos Olivais eram fascinantes e perigosos.

E tornavam-se cada vez mais perigosos.

Mas isso já foi depois de Março desse longínquo ano de 1978.

. . .

sábado, 29 de março de 2008


Nas tardes dos Viveiros na Primavera de 78? 8º ano, 13 anos, um poço de timidez desajustada, tão fundo poço que até afogou quase tudo da memória desse ano. Muito mais tarde haveria de recuperar como se me preenchendo, em incompetente regime de auto-construção própria entenda-se. Mas isso só uma mão-cheia de anos depois, algo até começado no ano seguinte, um 9º ano já mais desanuviado também por obra de uma turma mais enturmada e assim animando, fazendo libertar, mas tudo aquilo num passo a passo feito de passos muito pequeninos e tão lentos, assustados por vezes, aterrados tantas outras. Sei que naquele 8º ano tinha aulas de manhã e que era uma turma nova para mim onde resplandecia - em algumas disciplinas comuns - a beleza absoluta, longínqua como se de realeza mágica, coisa até divinal e por isso trituradora, devastadora, dolorosa, da Ana M. essa mesma que já em adulta passou a Ana C., então já algo humana presença. E com quem já voei transcontinentais por duas ou três vezes sem nunca lhe ter dito de tais memórias (e que a Lobita não as vá denunciar hoje, em reuniões de família ...) - acho que voltaria a corar, fenómeno que era, e continuou a ser nesses anos seguintes, o meu tenebroso dia-a-dia de então.

Mas é das tardes que querem relato, não desses trambolhões matinais. E estas eram eram passadas no futebol, ainda - sofrendo de quando em vez com as intromissões dos queques cagões da bolama, cheios de pulovers sidney e sapatinhos, a acharem-se muito importantes e crescidos, os sacanas, uns putos insuportáveis sempre com umas flausinas em torno deles, elas de calças apertadas nos joelhos e uns reis na barriga, a desprezarem os putos foleiros que jogavam à bola - não me esquecerei nunca do Tiago F. e do X. e doutros chegarem aliados ao Pimenta e à seita deste para nos roubar a bola. Nunca esqueci, nunca esquecerei - por acaso chegou o meu pai, tiveram que se refundir - mas isso talvez tenha sido um ou dois anos antes.

E foi nessa altura, no ano anterior ou nesse, que conheci o Mário W. (e foi o Abu, então ainda puto Zé, que nos apresentou e ainda me lembro dele à frente do "Canguru" a dizer com um sorriso "temos um novo amigo", e tivemos que o Mário era uma jóia), vizinho do prédio de cima, o do Zé Nuno Martins, esse onde de vez em quando aportava um "Cantor da Rádio". O Mário chegara da Guiné-Bissau para viver com a tia, a família passando um mau bocado por lá, detalhes que só alguns anos depois pude dele saber e entender, coisas das revoluções e dos horrores da família Cabral. O Mário era um amigo de mão-cheia - do qual perdi o contacto, estupidamente, pela minha inércia de termos subido para circuitos diferentes e dele ter avançado na biografia mais depressa, casado e trabalhando ainda eu andava numa tardia adolescência, e depois até enviuvando, ao que ouvi. Nessa época passávamos as tardes no quarto dele ouvindo música, uma fantástica iniciação ao "afro"- funky, disco (sim, disco), reggae, mais tarde até ska: sabia lá eu que estava a ouvir o Off The Wall, os Chic, Diana Ross, todo o Motown, tanta coisa que era aquilo tudo. Pois para mim que apenas conhecia, via os mais velhos e a rádio, o rock inglês e o rock progressivo, de todas aquelas novidades só o Marley era ícone, o resto apenas fabulosa música. Era um mundo novo que se abria, uma fabulosa discografia baseada num gosto tão diferente, tão mais burilado, tão mais rico, e um ritmo quente, diferente, como se outras coisas houvessem. Quase tudo era pertença do primo dele, um tipo mais velho, já nos vintes e tais e que veio a morrer novo, só depois percebi eu que da doença que entretanto chegou, coisas do como ele era. Música a deixar-nos sentir diferente também pela dança que ali aprendíamos, ainda que desajeitados de envergonhados, pois tanto o Mário nos dava "aulas" como a prima Z., um bom par de anos mais velha nos ensinava, com uma simpatia radiosa de fazer crescer os miudos.

Nisso já andava comigo o Organo, que mais tarde veio a ser "Úare", e ainda mais tarde "Nani" mas este mais para as amigas - um tipo que também não vejo para aí há uma década. E também um pouco o Pedro C., camarada que se afastou já bem mais tarde em corridas diferentes, tendo começado por emigrar para o Tosta. Desse grupo, ainda atreito ao estádio Marancagalha mas mais ou menos excluídos das sessões musicais, lembro o Chiquinho do prédio do Ambrósio, que tinha um riso contagioso mas ao qual as coisas não foram correndo nada bem logo desde tão cedo, e o Luís e o Manuel, os irmãos "parolos" como dizíamos, na maldade de então.

Nesses meses foi o começo do crescimento, uma coisa feita neste encerramento que aqui resmungo, entre os livros paternos, a colecção de bolso da RTP e a música a fazer-me assim. O primeiro single "Money", comprado no "Pão de Açúcar" e depois no início do ano o primeiro LP, "Animals" dos Floyd, 240 escudos comprados com 12 notas de 20, que era a semanada. O primeiro Dylan, "Desire" que tinha uma canção quase pop que falava de namoro nas praias tropicais chamada "Mozambique". O primeiro Genesis, "Wind and Wuthering". Em Julho, logo a seguir ao aniversário, já aulas terminadas, uma decisão que depois percebi como estruturante da minha vida: contado o dinheiro das prendas oscilei entre comprar um skate - como alguns queques tinham - e o duplo ao vivo "Love You Live" dos Stones. Hesitei, hesitei e fui ao Apolo 70 comprar o disco. Foi só por a tocar a "fanfarra para o homem comum" e perceber que o skate se fodesse. Dois meses antes, numa tarde sozinho em casa, roubara o primeiro SG Filtro da secretária do meu pai. Fumei-o à janela das traseiras, a olhar um Tejo muito longínquo. Um sabor que muito de vez em quando ainda me aparece - para aí há um ou dois anos regressou inopinadamente. Pode-me matar esta porra de vício. Mas então construíu-me.

74, 75 e 76 à experiência... depois António Arroio



(devia ser domingo, não se vê ninguém!)

sexta-feira, 28 de março de 2008

Nomes...

Já agora, desculpem-me a ousadia... fui convidado para o blçogue há 3 meses, estou a escrever o terceiro post... devia ser expulso imediatamente!!!
E agora atrevo-me a escrever um por cima do outro...

Mas esta conversa das namoradas nos Viveiros, deixou-me aqui em pulgas...
Apeteceu-me lançar um desafio... sabe-se lá quem é que aqui pode vir ler.
Posso lembrar uns nomes, umas figuras?

A Maria José! lembras-te? Moravas em Moscavide, naquele prédio alto em frente ao campo do Olivais e Moscavide, onde estacionava o 10 e outros mais, de dois andares.
Estava tão loucamente apaixonado que te ia levar a casa no final das aulas, só para ir sentado contigo...
Deixavas-me dar-te um beijo, muito fugidio...

Eras tramada.
Fazias de forma genial aquele jogo da atracção, dando pontapés de coice quando me aproximava.

Tinhamos 13 anos.
Quantos homens maltrataste pela vida fora como fizeste comigo???
Desculpa, claro que te modificaste, eu apenas fui uma cobaia.


E tu Sílvia, sabes, ainda tenho fotografias tuas.
De uma excursão a Sesimbra, lembras-te? Usavas umas calças de bombasine brancas, uma blusa azul escuro. Sempre com aquele lindo sorriso!
Todos gostavam de ti... eu incluído!
Eu mudei de casa... nunca mais te vi!

E tu Alexandra? Eras uma ginasta como nunca vi!
Tinhas um corpo fenomenal, mas ninguém se aproximava de ti. Eras de gelo! Algo inatingível, a melhor aluna, a mais gira, a que tinha o corpo mais perfeito, mais sensual, a melhor em tudo... mas acho que nunca consegui falar contigo mais de um minuto seguido! Fugias de tudo e de todos? Que é feito de ti rapariga?

E Aquele borracho, linda, linda. Não me lembro do teu nome. Eras mais velha uns dois anos, ou 3... até te davas bem com a minha irmã. Moravas naqueles prédios brancos que estão hoje em frente ao Olivais Shopping...
Eu sonhava contigo! Via-te ao longe e sonhava, sonhava... olhavas para mim como quem olha para um puto... e eu era um puto mesmo...


E a prima do Paulo? O Paulo morava em Moscavide velho. Por trás do campo do Olivais e Moscavide. Nuns prédios. Tinha um Toyotta azul, e uma quinta lá para os lados de Mafra, acho!
Fui um dia com ele a um aniversário da família, e uma prima embeiçou para o meu lado. Apesar de gordinha era muito bonita, carinhosa e sabia de cor as letras das músicas que eu também cantarolava... deu-se uma química.
Um dia que nunca mais esqueci, nem sei o nome dela...


E a Mena?
Que doida. Namorava com um tipo mais velho, que trabalhava nas obras, e meteu na cabeça que haveria de namorar comigo! Naquela idade, quando uma rapariga quer, consegue!
Eras uma braza... lembras-te quando fomos para a Costa e fizemos nudismo e apareceu o Guarda do MAr e levou-nos a roupa!
Tivemos que mendigar...



Enfim... uns nomes...

quinta-feira, 27 de março de 2008

Tardes dos «Viveiros»

Por momentos, João Belo, transportaste-me para dois momentos, distintos. Coisas da mente, que vai buscar aquilo que queremos mas também aquilo que não esperamos.

1º Momento: A primeira namorada a sério!
O fim do 9º ano.
Acaba o ano escolar. É o último dia de aulas.
Andámos o ano todo naquele jogo de insinuações. Mas nunca deixavamos de ser apenas bons amigos. Sempre soubemos que era mais que isso! mas continuavamos naquele jogo!
Aquele delicioso jogo, em que nos afastamos e sabemos que ela vem atrás, e quando ela finge que não nos vê, nós estamos sempre atentos a ver tudo, e quando há qualquer coisa, estamos sempre ali, ao lado...

Foi um jogo delicioso. mas o ano acabou!
Acabámos o 9º ano. E eu, por decisão familiar, vou ter de deixar a escola. Vou viver para a Caparica.
Estamos nas despedidas e declaramo-nos. Choramos. Mas porquê? Porquê? Porque razão não aproveitamos todo o ano? porque fingimos que éramos só amigos? Ambos sabíamos!

Um drama... em que o calor ardente de junho, o efeito das multiplas cervejas acumuladas na relva inclinada, o desespero da separação, as lágrimas, os beijos desesperados como se fossem os últimos (e foram mesmo!!! essa é que é essa!!!)... Foi uma tarde dos «Viveiros»...
A última tarde dos viveiros!


2º momento.
Por acaso acho que não foi de tarde, mas de manhã!
E veio-me à cabeça por causa dessa tonteria que ganhou dimensão de caso nacional, de uma miuda histérica a recuperar um telemovel da professora em plena sala de aulas.

Ora, digam-me lá vocês? nenhum de vós esteve numa sala de aulas com cenas parecidas???
É verdade que não havia telemóveis. Eu sei... Mas havia a mesma bagunça!

Um dia, tinha uma professora que era doida, dava uma aula estranha... já nem me lembro bem, no 9º ano, acho que era Economia & Contabilidade... uma coisa assim!
Ora, a mulher não batia bem da cabeça!
Entrava na sala, e falava, falava, sem olhar para nós.
Metia o olhar no infinito, e debitava cassetes... falava, falava, falava...

Ora, era o gozo total!
Aquilo parecia um robôt! Se houvesse muito barulho ela levantava mais a voz, se não houvesse barulho, falava baixinho!

Um dia... estava tudo doido... era Primavera, o Sol entrava pelas janelas... a miudagem, toda apaixonada... cada um a querer impressionar o próximo... e era a palhaçada total!
A prof. de olhos vidrados no infinito já nem se ouve a si própria... e desmaia. Cai no chão, parecia uma pedra!

Assustámo-nos abrimos a porta a chamar uma administrativa... e lá foi ela levada em braços para uma ambulância!

Ninguém lhe tocou. A mulher caiu pró chão sozinha... mas acham que alguém nos perguntou o que se passou???? Nada!

Agora de repente está tudo escandalizado com uma miuda desesperada para obter o seu telemóvel!

Não é desejáve que aconteça, e deve ser penalizado quem se comporta assim... mas de repente parece que todo o mundo perdeu a memória! Já não se lembram?

Olhem... eu lembrei-me! As manhãs dos Viveiros...

quarta-feira, 26 de março de 2008

Tardes dos Viveiros: o dia 28 de Março de 1978


Se pudesse, quero dizer, se soubesse, escreveria um texto para colorir. Diria apenas: Tardes dos Viveiros. Diria, são 16:52. Fechem os olhos. Imaginem-se lá, nas tardes dos Viveiros. Algumas daquelas horas encostadas à parede do corredor entre pavilhões foram vossas. Abram os olhos para dentro. Abram os olhos para dentro, para essa imensidão que é o tempo todo da nossa vida. Imaginemos o espaço. Um corredor largo, principal, por baixo de um telheiro (o que para alguns irá certamente fazer acudir a memória do abrigo durante uma forte chuvada, da forma como tudo se alagava). Também um pátio. Um pátio que era uma montra com o seu banco de cimento corrido, ladeando todo o corredor. Nesse pátio jogava-se à bola. Ou faziam-se rodas de conversa (de certeza de que alguém se está a lembrar das rodas de conversa. Do tempo que ficávamos nestes circulos que eram os nossos grupos). Ou ao pé das motas, no muro cá debaixo. Ou à porta dos cafés. Na pastelaria. São as nossas horas que estão lá. Não sei como é que estávamos vestidos. Muitas modas dentro de um curtíssimo período de tempo, era assim. São 16:58, do dia 26 de Março de 2008. Vamos recuar trinta anos nos nossos relógios, ao dia 26 de Março de 1978. São 16:58, faltam dois minutos para o intervalo. De certeza que este dia existiu, sabemos isso do passado, esteve lá. Há-de ter havido um dia 26 no mês de Março de 1978. Timor, Bolama, Fulacunda, Lobita, Lobito, Vila Pery, Draivimpe, eu sei que pelo menos vocês estiveram lá. Eu vi-vos lá. Eu também lá estava. Peguem na caneta, quer dizer, neste polígrafo digital que abre as portas para este bairro virtual (e para além de todos os outros marcadores que queiram colocar, vamos uni-los por mais um marcador comum, Tardes dos Viveiros).
[E a Rapariga que Veio da Província, o Maracangalha, o Rua 2, o Bengas, o Beira, o Xai Xai, o Moçâmedes, a Inhambane e o Lourenço Marques, este desafio também é para vocês. Escrevam sobre esse vosso dia de 26 de Março de 1978, com ou sem Viveiros por perto.]

então e agora ...

... que aparentemente já escarafunchámos todas as memórias e foram devidamente coumpridas as festas memorialistas, pode-se pôr um enquetezinho?

segunda-feira, 24 de março de 2008

Velhos


Há coisas tramadas na memória de um amnésico. Há, como disse o Beira há muito tempo a propósito de um amigo, coisas de que nos lembramos e outras que não conseguimos esquecer. Nestes tempos em que da escola tanto se fala, do que fomos, do que queríamos ser, da forma como hoje nos retratamos, aquele velhos do Bolama atirou-me para um fim de tarde nos Viveiros que nunca irei esquecer. O dia em que o Fernando Namora foi à escola falar da sua obra.

É um momento menos simpático, menos lustroso, do qual me envergonhei profundamente pelos anos que se seguiram. Eu não era aquilo que se pode dizer, um beto, ou um facho ou um anticomunista primário. Era um sonhador, como sempre fui. Vinha cá abaixo ao mundo para receber a semanada e ir comprar tabaco ao meu pai e pouco mais. Mas não era um beto a sério. Ao meu irmão lá conseguia de quando em vez vestir as calças de fazenda, os sapatos italianos, os pullovers de marca, e lá ía todo pimpolho fazer de beto para os intervalos das tardes dos Viveiros. E era um bocado do tipo de ir atrás dos outros. Numa dessas tardes um dos meus amigos de ocasião convenceu-me a ir fazer estrilho para um debate que os comunas tinham organizado. Era uma apresentação de um grande escritor, Fernando Namora. Só me lembro, ou melhor, só nunca mais me consegui esquecer, de ter passado uns largos minutos a rir, a chamar macaco, comuna e careca ao Fernando Namora. O episódio passou, eu enterrei-o para o meu canto escuro da memória. Também passaram todos os modismos de que me fui fazendo. Anos mais tarde, estava a ler "O Jornal" e dou de caras com uma crónica de Fernando Namora, intitulada, Os Velhos. Li-a e reli-a sem conseguir deixar de ver aquele homem sentado a uma mesa de sala de aula dos Viveiros a ouvir dois ou três putos estúpidos a chamarem-lhe os piores nomes possíveis. E admirei-lhe a sua coragem, a sua humildade. A partir dessa altura li-lhe a obra toda. E escrevi-lhe umas cinco ou seis cartas, a dizer-lhe quem era e o que lhe tinha feito e a pedir-lhe desculpa. Rasguei-as todas. Porque compreendi que eu não era ninguém, que para o grande escritor aquele episódio não tinha deixado nenhuma marca e que só a mim, só a mim me marcara.

quinta-feira, 20 de março de 2008

Para além da escuridão...

...
Da pista de dança só sombras...
...


[fotos de joão belo]
...
(até parecia a gruta do venâncio a bombar outra vez!)

Para além do humor

Algumas, péssimas, fotografias mostram o peso nas caras de velhos amigos e conhecidos. Imagens que já não servem para o sorridente esconjuro do "estamos velhos!". Pois o estamos, e já - e desconto o peso do inverno do norte, agora a marcar nos rictos masculinos, esses desprovidos dos empacotamentos que as nossas belas companheiras de jornada sempre alinham. Estamos já, dizia, velhos. Felicidade de nessa velhice haver espírito, até jovem ainda, de juntar e festejar, felicitar a vida, rememorar o termos sido num longínquo dia do mesmo sítio e apesar de tudo ainda o sermos um pouco. Também por isso, para além do prazer quase diário, é fantástico o Olivesaria - este não termos problemas com o hipotético ridículo do carinho memorialista (não é assim minha querida Timor?), de o deixarmos fluir, de o podermos utilizar - mesmo nós, os da distância - para congregarmos e sermos alegres e até felizes, um momento hoje como ontem, mas acima de mais hoje mesmo.
Sem malevolências, mas também sem humor ou ironias, também por isso o meu lamento pela pobreza das imagens - porque faziam parte. Não para o blog! Por causa, também por causa, do blog! É um lamento não uma "boca".
bolama

Finalmente a festa da fábrica

O resto da reportagem fotográfica foi o que se salvou do computador do Bengas, daí o mau estado das fotos. É claro que há alguns cromos para quem isso é uma boa desculpa, mas adiante, é a vida.
Começamos pela zona do bar, onde se aviavam cervejas e liquidos tão etílicos que se evaporavam a meio caminho, entre o copo e a goela e depois, a horas tantas, se compensou o desgaste com uma sopa das boas, mas mesmo boas, assim como às de ermesinde.




Da pista de dança só sombras. Era movimento a mais para a pobre máquina. Aqueles corpos parecia que tinham saído de um armário e reencarnado o gingar bailarino que nunca se perde, muito dele cultivado nas hortas e nas garagens do Olival. A polaroid ficou translúcida ao ver os risos, as voltas, o agitar dos passos naquela garagem decorada com motivos ruprestes.


À porta os negócios, o diz lá isso outra vez, o falar ao ouvido,
e as conversas de roda. Era a festa da fábrica, os operários, o cigano, o sindicalista caprichoso na semiótica da sua farpela. Agora só falta mesmo o enq... quer dizer, ok, ok, não se fala mais nisso.






quarta-feira, 19 de março de 2008

João Belo, apetecia-me algo

Mete lá o resto das fotos da festa ou haverá que dar razão ao (filho do) Bonanza e aos seus ponderosos argumentos.

terça-feira, 18 de março de 2008


Mais inquéritos não!
Foi óptimo ter estado aí convosco - obrigado pelo convite. Da próxima vez irei com a família. Boa diversão. Também gostei bastante do barbecue. E a menina dos carimbos, uma simpatia. Hei-de a convidar para um passeio na Ponderosa



Gostei imenso da iniciativa "A Festa da Fábrica", diverti-me bastante, gente simpática e ainda jovem, bom ambiente. Voltarei.

segunda-feira, 17 de março de 2008

Fula, apetecia-me algo

Há uma semana e tal que me sentia outro por dentro. Pensei que era desta espécie de primavera. O sol de Março a rebentar. Mas depois veio aquele céu farrusco e eu continuei a sentir-me inexplicavelmente feliz. Não sei se já vos aconteceu. Eu sei que com a tristeza é frequente. Um tipo acorda e sente uma espécie de azia no espírito, não sabe de onde vem (nem para onde vai) a amargura. Agora com a alegria não. Com ela é raro um tipo deitar-se a adivinhar de onde ela vem. Venha de onde vier é bem vinda. E que fique, que assente arraiais, monte tenda. Alegria, alegria. Nunca é demais. Venha com razão ou sem ela. Aliás, nem precisa delas. Foi por isso que estranhei esta necessidade de algo mais na vida do olival. Só hoje, ao desfraldar a página desta Olivesaria a encontrei nua, despida. Faltava-lhe, algo, Fula.

nos escombros de uma festa



Encerradas as festividades cumpre agora agradecer a amável presença de todos aqueles que, apesar dos problemas geriátricos que certamente os afligem, não quiseram ainda assim privar-nos da sua presença naquela arena de amizades. A ribalta iluminou-se. A festa cumpriu-se. Nós amigos continuamos, sempre. (... agora um breve momento para enxugar a lágrima, antes de prosseguir).

Por nos termos tido por testemunhas, e porque as coisas qu’importam são para se clamar bem alto, queríamos ainda enaltecer a simpatia que ainda ostentam os encanecidos amigos (mesmo aqueles que continuam com um feitio impossível de aturar mas que ainda assim o sabem manifestar com algum charme) e o resplendor de beleza que vai cintilando cada vez mais incandescente em redor das nossas mulheres e amigas.

Posto isto, e em jeito de rescaldo, pretende-se ainda anunciar-vos que o último balanço das matérias-primas dava os seguintes itens para abate:

• 120 garrafas de cerveja
• 9 garrafas de vodka
• 2 de gin
• 7 de wisky
• 3 de vinho tinto
• 6 lt sopa
• 16 garrafas de água
• 6 lt de sumo de laranja
• 4 de sumo de limão
• e 4 lt de água de castelo

Registe-se portanto um consumo comedido, de todo abusado, o qual permitiu confortar um sóbrio grupo de cerca de 70 cidadãos. A lamentar talvez, e porque nada mais haverá a apontar, o despropósito do elevado consumo de águas e sumos, pois que para o mesmo não se alcança justificação que o promova e o vodka circulante não era assim tanto.

Endossado ainda nesta parte dos salamaleques lanço-os agora, assim os estendendo em efusivos agradecimentos, até à insigne empresa italiana de catering e organização de festas: Picci & Picci, pelo profissionalismo, simpatia e empenho com que se dedicaram ao evento. Sim, que não basta servir, é preciso que haja trato, e esse, assim vestido cortês, só alguns o sabem ter.

Por último, e num registo mais privado de que ouso aqui lançar abuso, queria endereçar as minhas derradeiras palavras a um destinatário especial: o senhor do casaco de veludo cotelê !!! Caro senhor, as minhas humildes desculpas pelo entorno. Bem sei que não vale a pena agora chorar sobre o vinho derramado, perdão, sobre o leite, queria dizer o leite derramado, mas não posso deixar de lamentar a minha má sorte assim a manchar uma tão bela noite, oops, um tão belo casaco, que sim, foi disso, desse seu que se tratou a mancha, ainda que prontamente sacudida e aplanada por mim.

Ah, e por falar em desastres, o Bengas pergunta se alguém lhe saberá indicar uma boa casa de informática, dessas que saibam tirar cerveja de dentro de portáteis.


Via sms o Casal Manafá pediu-me para aqui referir o seu lamento por não ter podido estar presente na festa olivalense, como era seu arreigado propósito. Foi-lhes impossível encontrar uma baby-sitter para o sábado passado - a habitual adoeceu à última hora. Em particular o caro Manafá salienta a sua tristeza por não ter podido agradecer pessoalmente ao distinto João Belo a simpática homenagem que este aqui lhe prestou, até excessiva segundo ele próprio refere. Os Manafás prometem estar presentes na próxima iniciativa festiva do Olivesaria.

Bem hajam, caros Manafás.

domingo, 16 de março de 2008

A noite, dois a dois




Os donos da festa



Febre de sábado à noite





A senha, por favor?


Bijagós

é o que são esses, ditas personagens dos Olivais, festejando a ausência de outros, combinando-se à revelia. Sim, coisa ampla, até de Timor chegou o T. - uma vergonha, coisa do apelo e agravo recusado.

Bijagós!!

sexta-feira, 14 de março de 2008


"Quem quer festa, sua-lhe a testa."

quinta-feira, 13 de março de 2008

A Barca de Ulisses











"Pedra que rola, não cria musgo."

quarta-feira, 12 de março de 2008


"A pedra e a palavra,
não se recolhe depois de deitada"

terça-feira, 11 de março de 2008


parabéns, Maracangalha!
(temos saudades tuas e das tuas fotos noir et blanc...)

Quem ao seu amigo dá seu lugar, não o quer de si afastar.

Queixa-se o fula de estar a ser só ele o "malhado" pela vozearia festiva que a data apregoa: "que isto assim não pode ser… fomos os dois que nos metemos nisto, a ideia e tal… está na altura de te chegares à frente e dizeres qualquer coisinha no que diz respeito à festarola… que é para não ser só eu a levar na tola… é só no Fula, só Fula e tu aí caladinho!"

(desde já solidarizo as pancadas por ele recebidas no toutiço… solidário apenas, essas estão dadas, estão dadas… aguente-se à bronca!)

E assim sendo, ele farto de apanhar, aqui estou eu agora de peito feito para distribuir alvitras bujardas nas cachamorras que me/nos tentarem alcançar…

segunda-feira, 10 de março de 2008


© pedro morais

a galeria virtual de uma oliveira genuína!

as oliveiras também caem

lá partiu mais um olivalense da bloga. tenho pena. eram azeitonas de excelente degustação.


e acabou por ser ...







... uma boa tarde de domingo, uma boa Tertúlia, à volta de um livro, de uma pessoa como nós, que ouviu, falou e certamente aprendeu algo de volta, coisas à volta de escrever e falar, de fazer rir também. Riu-se por ali, ouviram-se histórias e ideias à volta de um Ricardo que, como todos por ali, foi pelas palavras fora, o João Belo e o Xai deram um toque de oratória Olivesaria a uma tarde com a liberdade e o gozo de se viver um bocado à nossa maneira. Não complico mais ... foi bom e pronto. OBRIGADO a todos os que por lá passaram ...

Em Abril há mais, sábado -dia 12, 15 horas, Carlos Vale Ferraz !!!

domingo, 9 de março de 2008

das festas, dos amigos, e do trabalho que ambos dão

Fui pretensamente ‘empurrado’ para fazer anúncio da festa. Um breve textito em jeito de apito final e talvez juntando umas palavras aqui e ali para aclarar a ideia de que se pretende apenas criar uma oportunidade para nos podermos encontrar, beber um copo, lançar conversas, rir e dançar. Nada disto precisa ser um apelo muito virtuoso, bem sei, que ou se vai ou não se irá. Mas acreditem, quando olhei para o texto que tinha acabado de escrever (ainda bem que a tempo me ocorreu nele pausar), fiquei impressionado com o tom e os significados pretensiosos que giravam em volta de um mero convite desta natureza, como se para essa circunstância me visse obrigado a declarar a amizade como um laço místico e exigente, uma série tortuosa de explicações que ninguém pediu. A amizade não é nada disso, não pode ser. Nas velhas amizades as palavras já pouco importam, dispensam-se até se ninguém para delas estiver com pachorra de fazer uso. As amizades têm de ser sítios onde nós possamos descansar, onde possamos falar do que quisermos, se quisermos, mas sobretudo têm de ser espaços honestos, vozeirados anos a fio, onde até os próprios silêncios sabem falar … as amizades são coisas simples e se fossem textos nunca seriam longos e justificados como aquele que em bom tempo acabei por apagar ou como este agora parece querer vir a tornar-se. Deixemo-nos de grandes prosápias, que aqui o que importa é que venham, que os amigos venham, e que os outros que também vierem amigos se tornem.



Data: 15 de Março, já se sabe, pela meia-noite ou assim

Local: Fábrica do Braço de Prata

Bar aberto ... e 10 euricos (porque 'vinho tirado é vinho bebido' e as uvas estão pela hora da morte)


Ah, e por favor não deixem de ir ali ao lado esquerdo assinalar se pretendem ir. É anónimo não traz qualquer compromisso e ajuda a logística. A comissão organizadora agradece.

Onde vivo bastas vezes bons e mais velhos amigos (desses que, afinal, se fazem em todas as idades, vou-o descobrindo agora já não disso céptico) narram-me algumas das suas antigas andanças, recordadas em noites assim tornadas como se blogs colectivos à volta das mesas, quando galinhas, caranguejos, camarões e piripiris já se deglutiram e nos alargamos nas aguardentes, às vezes vínicolas mas mais das cerealíferas. Contam-me essas histórias acontecidas enquanto eu e os meus andávamos nas coisas que aqui temos vindo a recordar, dos idos do maracangalha aos atrevimentos do Bairro Alto.

São histórias que sobrevivem, pertenceram a tempos de utopias, muita boa-vontade, quilos de ingenuidade, outros tantos de arrogância, abnegação extraordinária, malfeitorias muitas, desgraças imensas digo-as no fim, sem esquecer o que de bom também delas brotou. Algumas que adoro reouvir são as daqueles que calcorrearam matos longínquos apresentando cinema ambulante a gente que nem fotografia conhecia. Aldeia a aldeia, noite após noite, dessas de dormir na esteira, montando gerador e ecrã - esse a quem as pessoas iam espreitar por detrás procurando por lá aquela estranha gente que ali as visitava. Aldeias essas onde comecei a surgir vinte anos depois, elas talvez não tão diferentes assim.

Iam então crentes da necessidade de partilhar algo, de introduzir o "cinema", e de que isso em muito melhoraria mentes e prazeres alheios. No início desses tempos carregavam os "documentários de notícias" (lembram-se de que também os tínhamos na 1ª parte do cinema?, ainda que coisa muito "Estado Novo", depois deixados cair pela expansão da TV), muito revolucionárias então, mensagens de contrutores de nações. E ainda filmes que consideravam adequados, de diálogo fácil para a gente que presumiam ir encontrar e que tanto desconheciam. Filmes para gerar o apreço ao cinema que procuravam criar, partilhar. Jovens então, logo escolheram as fitas de Chaplin, certos que o riso ternurento, até poético, do Charlot cativaria pelo mato fora as atenções virgens de tudo aquilo. Com a vantagem de ser mudo - prescindindo da leitura de legendas em gente analfabeta ou de dobragens em gente que não entendia português.





O que me contam do que ali os espantou foi a total adesão, até timorata no susto com tanto movimento julgado real, espantada com a origem de tais seres afinal não ali, não por detrás dos "panos". Mas uma adesão inesperada, uma adesão sem riso, uma total adesão solidária, pesadamente silenciosa, de silêncios até entrecortados por lamentos com todas aquelas desventuras, dores e falhas do Chaplin de sorriso triste. Aquela população virgem de imagens gravadas, até da sua notícia, logo ali companheiros, comentando lamentando os sofrimentos do pobre Charlot, feito, ainda que num mundo dali tão diferente e desconhecido, imagem própria. E também felizes pelos fins acontecidos, pelo continuar bamboleante, afinal não vencido do homem - ali não personagem.


Gosto dessas histórias, porque me lembram esse campo dito "mato" que sempre me faz falta. Porque me sublinham a incompreensão que sempre me acontece quando lá. Mas mais do que tudo porque me recordam o meu pai António contando-me de quando viu pela primeira vez "A Quimera de Ouro", nos anos 30 ou talvez inícios de 40, em dias de Carnaval no Porto. Cinema cheio, gente jovem e feliz, carnavalando na ida ao cinema, nesse então sinónimo de dia de festa, barulhenta do dia e da idade - essa gente já do cinema sonoro, mas que ainda viram o Valentino e esses. E que, contou o pai António, correndo o filme, logo, logo, o cinema se calou, agora nada carnavalesco, absorto mas nada rindo do tal "filme cómico", também esmagada e solidária com as aventuras titubeantes do garimpeiro infortunado.

Reagindo ao trágico disfarçado de cómico? Talvez nem tanto, mais me parece que percebendo a angústia cantada em cómico - tal como tantos anos depois longe longe aconteceria com gente afinal não tão diferente. Pois não tanto o trágico que, abrupto, interrompe, mas essa angústia que continua porque faz sempre parte. Que, assim, faz continuar.

É preciso ser Chaplin para tal provocar? Não, nem mesmo pertencer à galeria dos imortais, Tati e esses. Aqui o João Belo já recordou o Sam (e que grande post, aquele que narrava a tortuosa oferta do título de livro) - e lembro-o recriado pelo Mário Viegas na TV. Gargalhávamos? Sim, às vezes. Mas era muito mais do que isso.

Explicar, isto do como comunicar para além dos códigos abissalmente diferentes? Do como o aparente afinal é esquecido e se partilha o verdadeiro? - não faço a mínima ideia.

Mas lembro as histórias e pergunto-me agora do que é o celebrar gutural (que o JB descobre abaixo, nos putos da fnac ritualizando na comunhão do riso alvar) em torno dos badarós?

E encolho os ombros, não o porquê do nosso (auto)badorizar, mas sim o para quê dele - porque um qualquer gajo conta anedotas, ou é anunciante, ou é giro, ou escreveu O Meu Pipi (alguém consegue reler O Meu Pipi?), ou é político que (às vezes) pensa como nós? Ou porquê badorizar os outros, dizendo-os ignorantes, povo, riso estúpido bom para ele, como se "povo" assim seja? Quando afinal, diz-nos a história (pelo menos esta história) nada disso é verdade, badorizamo-nos, badorizamos, por mera decisão. Preconceituosa, ignorante.

Porquê o nosso (auto)badorizar? Talvez uma tralha brotada da nossa actual obrigação de ser feliz ("Seja feliz", diz o locutor televisivo na despedida, às vezes "irónico" no "Faça o favor de ser feliz"), coisa da confusão, de nem percebendo como isso do ser "feliz" se vem procurando com alegretices. Roucas, rápidas. Incompetentes. De grosseiras.

Tudo isto só mesmo para amputar a tal angústia partilhada, partilhável, como se coisa má. Só mesmo para, assim, sermos menos qualquer coisa. (Mesmo que na Fábrica do Braço de Prata afinal da "cultura", afinal no que é o chic pensante lisboeta desse algum hoje. Palco nada refúgio do badaroísmo. Palco selvagem. Porque muito longe do mato? Não. A pergunte é mesmo "por que é que muito longe do mato"?)