terça-feira, 25 de maio de 2010

Sons do bairro

No outro dia tirei meio dia de folga, para ir almoçar aos Olivais com a minha mãe e o meu irmão. Ela estava no curso de informática e eu aproveitei para dar uma volta pelo bairro. Bastou-me ouvir aquele sino para perceber que naqueles sinos meio mecânicos tinha ali uma história. Tenho o vício de contar histórias e as histórias que conto são isto: fragmentos de qualquer coisa que têm um princípio, um meio e um fim. Os sinos da igreja nova no meio de uma manhã no bairro para mim são uma história. O bairro do silêncio quieto e vazio, soprado pelo pouco vento que fazia, são também um fragmento narrativo. Tenho este vício. Lembro-me que um dia estava a trabalhar com as crianças no Bairro da Quinta da Calçada e estive entretido uma boa meia hora a inventar uma história a partir de um pequeno pau de madeira que escorria por um pequeno curso de água que a chuva improvisara. Tornou-se num barco. Transformou-se, como nós também nos transformamos com as histórias que contamos. Eu transformo-me pelo menos. E quanto mais as histórias são improváveis, mais me transformam. Por exemplo, aquela mulher que de repente entra na história pelo soar dos seus tacões, é uma pequena história que se cruza com as duas canadianas daquele homem que entra na farmácia. Ou com a bengala daquela mulher que sobe a rua. Quando os vi, pensei logo num reforço da história: e se eu fosse filmar o barulho da bengala? Ou das canadianas? Quando construímos personagens na Escola de Enfermagem há um pequeno exercício que costumo propôr: com os olhos fechados, vão ouvir o andar de cada uma das personagens que criaram. É um momento de uma grande simplicidade narrativa mas capaz de apaixonar aqueles aventureiros que comigo descobrem o território da criação de personagens. Por vezes, quando acabo as minhas aulas e conversamos sobre o trabalho feito, tenho o meu momento de verdadeira emoção: há um ou dois que descobrem o prazer de descobrir no outro uma história, de descobrir o outro enquanto história. Eu sei, este texto parece ter a doença daquela prosa muito excitada sobre objectos que do ponto de vista expressivo são uma verdadeira banalidade. O que é que isso interessa?

5 comentários:

Pedro Venâncio disse...

Bela malha ó belo

Marco Oliveira disse...

Já escreveste alguma crónica sobre o 11 de Março de 1975? Lembras-te dos aviões a passar por cima do prédio? Da coluna militar que à tarde passou pela nossa rua?

JPN disse...

lembro-me, lembro-me. escreve-a tu Marco, precisamos de diversificar cronistas e se bem me lembro tu eras um dos habituais naquele piso ao pé da casa das máquinas, quando nós íamos escutar as transmissões do aeroporto. não queres ter uma identidade aqui? conheço o administrador, desde que fiz um video com ele o tipo não me nega nada. grande abraço.

blimunda disse...

ó joão, há quanto tempo os idos de oitenta e o jn... a net tem estas coisas fantásticas! gostei de te saber aqui

maria correia disse...

ah, tinha saudades de aqui vir...e de vos ler...é tão bom voltar! prometo voltar mais vezes!