sexta-feira, 5 de outubro de 2007

A Petroquímica

© pm
Vejo-a assim, difusa, a velha Petroquímica, que, mais do que tudo marcou quase toda a minha juventude. Eu disse marcou? Deveria ter escrito, aterrorizou. Aquela chama trémula, a piscar nas nuvens, crescendo vermelha nos céus em dias de maior descarga, que fazia um espelho de luz nas nuvens, tornou-me temerário, medricas até. E haviam também aquelas tardes e noites em que um cheiro pestilento e sulfuroso se desvanecia dos ares. Eu vinha vezes e vezes e vezes à janela, com medo que aquele aparato de tubagens explodisse e levasse o bairro inteiro para o quinto dos infernos. Dizia-se que se a Petroquímica explodisse o bairro ficaria todo destruído. Havia teorias sobre isso. Sobre a quantidade de materiais inflamáveis que lá havia. Sobre as teorias catastrofistas que ligavam a explosão da petroquímica a uma explosão do arsenal de guerra nos ralis, em braço de prata, uma espécie de fogo de artificio gigante com altas temperaturas. Eu escutava tudo isto como se esplanações de uma sabedoria certa que alimentava meticulosamente o meu medo. Lembro-me, principalmente em dias de nuvens carregadas, dos movimentos de refracção da luz, dando uma enorme instabilidade aos céus. Esta visão, principalmente da minha janela da Rua Cidade João Belo amedrontava-me. É claro que mais ninguém se assustava comigo, à minha pergunta, não está estranha a petroquímica hoje?, todos abanavam a cabeça, como se nada se passasse. E é assim, quando não existem para os outros, que os nossos medos nos aterrorizam mais. E na minha caixa de medos, o pior deles todos era sem dúvida o de que a petroquímica explodisse. Por isso quando a Expo 98 veio trazer a sentença de morte para aquele complexo, fui um entusiástico espectador do seu desmantelamento. É claro que tive outros motivos de júbilo, a recuperação da zona ribeirinha foi um trabalho notável, mas de entre todos, para mim, avultava o do fim do meu terror de juventude.