sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Lá vai o Barco à Vela






No tempo em que a Fernando Pessoa ainda era entre a Bolama e a Praia, em que o Tosta ainda não existia, em que o Pinto ainda era mesmo um Mete Nojo, os nossos dias centravam-se na periferia da Lobito. Ainda não havia grande interacção cultural com o lado da Bolama, e as hortas eram a maneira mais rápida de descer do 21 e vir para casa, ou para atravessar até às vivendas da Margão.

Muito do nosso tempo era passado nas escadas dos prédios circundantes. Lembro-me quando o (mais tarde) ginásio, perto do Tosta, era um “supermercado” com quatro pisos desnivelados. No piso mais fundo eram as prateleiras dos chocolates, e tantas vezes lá fui fazer recados à minha mãe, que acabei por ser apanhado com uns chocolatitos nos bolsos. Tive de estar à espera, que ela viesse ver porque me demorava tanto, para me deixarem sair. Depois disso não voltei lá mais (feios…).

Mas não era esta história que queria contar. Outra grande parte do nosso tempo era passada a jogar à bola. Os dois para dois, os três para três até aos quatro para quatro eram jogados na relva pequena, atrás do Mete Nojo. Quando o número aumentava tínhamos de mudar de campo e passávamos para o campo ao lado que acabava em bico, junto ao Tó, com a rede do colégio a atazanar tudo o que era mãos, sapatos e até roupa.

Um dos nossos amigos de então era o P*inho, tinha um sentido de humor que não fazia rir muito, não tinha queda para desportos, não me lembro de o ver jogar à bola, mas fazia parte da malta. No entanto, já naquela altura revelava uma atracção por coisas um pouco mórbidas, e tudo indicava que iria ser médico, chegou a carregar a alcunha de “Esculápio” durante uns anos.

Desculpem esta introdução, mas a história que aconteceu, foi dentro do prédio onde ele vivia e estávamos só os dois, e eu não consigo vislumbrar que assunto poderíamos ter em comum para que essa situação ocorresse.

Uma das particularidades desta família era ter um animal de estimação que se chamava Dingo. Era um cão rafeiro e pequeno, mas era tão mau que era comparado, na altura ainda não havia os programas sobre a natureza que há hoje, ao famoso diabo da Tasmânia (afinal é bicho pequeno em vias de extinção que só come carne morta).

Mas este sacana era mesmo mau, mesmo quando arrastava o pai à volta dos canteiros de relva, de cachimbo e a cabeça de lado (tinha um problema numa vista), nunca nos chegávamos a ele. E as vezes que íamos a casa dele ainda era pior, era preciso fechar o animal e mesmo assim ficar em alerta, não fosse ele encontrar outra maneira de chegar até nós.

Como dizia mais atrás, aconteceu um dia, estarmos os dois juntos com a besta (a trela era posta ainda dentro de casa), no patamar do andar onde eles viviam e íamos descer no elevador para passear o cão. Entramos para o elevador e o P*inho lembra-se de qualquer assunto pendente, com outro morador do andar de cima, e carrega no botão para subir. Quase de seguida começa o cão a ganir e as patas a esgaravatar, olhamos para o chão e depois um para o outro (ele com uma das pontas da trela na mão), o cão tinha ficado do lado de fora do elevador.

Entretanto estávamos no andar de cima, carreguei para descer, e vimos do outro lado do vidro, o cão a descer também ao longo da porta, toda molhada, sempre a esgatanhar e a ganir.
Nessa altura a minha vontade de rir era tanta que já me custava a conter, mas quando saímos do elevador e percebemos que com o susto o animal tinha mijado a porta, o chão e pouco faltou para fazer o mesmo ao tecto, não me consegui conter.

O nosso amigo ficou de tal modo aflito que só pensava na sorte que tinha, porque só dentro do elevador é que se tinha lembrado de ir ao piso de cima. Como morava no 4º imaginam como teriam ficado as paredes nesse andar se tivéssemos ido directos ao r/c.

Confesso que, depois deste episódio, nunca mais consegui olhar para o cão sem sentir um misto de pena e de gozo, mas pelo menos grande parte do medo desapareceu.

A moral da história é que, chuvas em Setembro, Natal em Dezembro.




E agora um poema que fiz hoje e que dedico a todos os portugueses, porque quero contribuir para melhorar o meu país, e aproveitar o novo ano que se avizinha para que tentemos todos merecer o sítio onde vivemos.

A dignidade da vizinha é muito pior caminha
Ou
Caminha com Ela

Maior dignidade tem aquele
Por talvez lhe parecer pouca
A usa como um sorriso na pele
E uma amável palavra rouca

Do que aquele outro ali
Por se inchar com pompa
Passe longe ou passe aqui
Em passando, nos afronta

Se hà moral, é em poder
Em dia de infelicidade
Qualquer um perder
Sobranceira dignidade

Se tivesse três pernas
E fosse um pouco tolo
Em dias de diarreia
Cagava um pé todo


De súbito as coisas foram passando a memórias. Alguns andavam ufanos com isso. Ou se calhar em alguns dias andava-se ufano com isso. Tudo estava a ser possível. De quando em vez, por alturas do final do ano, em quase natal juntava-se a quase família, como se manos ou primos afastados, amantes ou cunhadas desavindas que fossem, simpatia ou (até) enfado mútuo. Era quase natal. E comia-se. O sempre anfitrião, gente de vespa verde, era ritualmente massacrado pela falta de qualidade das farófias, dos sonhos, do peru ou do bacalhau. Amuava - não percebia que na quase família se diz mal, sem cerimónia, ritualmente. Ou amuava - porque na quase família se amua, sem rebuço, ritualmente. Porque é direito.

Tenho saudades de uma noite de inverno lisboeta, fria, chuvosa, ventosa. E de nessas noites, dessas que parecem opressivas, ir comer mal à Rua João Pereira Rosa. De ser quase novo, com a quase família, já a trocar recordações.

O primeiro beijo

Sempre que estou num hotel de uma cidade estranha adormeço de forma inabitual. Ligo a televisão, ponho o temporizador num tempo que considero aceitável para conseguir adormecer primeiro que o televisor, viro-me para o lado e começo a deixar-me envolver por uma névoa que me leva, à sorrelfa, para um território de nenhures. Nos últimos dias essa terra inacabada vem-me em forma de posts da Olivesaria. Não me perguntem porquê. Ontem - não sei se foi por causa das confissões do Xai por uma sua preferência ou se foi por de repente terem vindo a lume aqueles casos de love storys que enterneceram a novela do bairro - mal virei costas a um tv shopping (são os programas mais emocionantes para adormecer) comecei a viajar pela minha adolescência tardia. Pelo meu período catió.