Telefono para casa. Para falar com a minha mãe. Apeteceu-me. Vou almoçar, antes disso fiz uma pausa, vim até ao Olivesaria, um sentimento de amizade invade-me sempre que aqui venho, amizade e história, a minha história, de repente lembrei-me da minha mãe, por onde parará?, ligo para casa. O atendedor de chamadas é o primeiro a chegar ao telefone. Ligo para o telemóvel. Estou a conduzir, meu filho, diz ela, não é urgente, é só para te dar um beijinho, respondo, para te dizer que te amo, penso de mim para mim, que preciso da minha árvore, o fim do século XX, que acabou, soube pelo JPT, ainda não me fez o homem-robot que antevi ser quando chegasse ao ano 2000.
Ocorrem-me sabores entretanto. A tortilha espanhola que a minha mãe fazia tão bem. A sopa de feijão vermelho com couve portuguesa. O empadão de carne, com a pele a estalar. O souflé de peixe. E, para lá dos sabores, o tempo. O que de mais importante me lembro é a sensação do tempo a abrir-se, a espraiar-se, a lentificar-se. Como este pequeno devaneio.
Ainda sou o mesmo, um tipo que chega ao momento de ir almoçar e que, enquanto fecha o expediente do serviço, se apercebe que, por maior romantismo que ponha na forma como olha o seu dia-a-dia, se tornou naquele burocrata que ridicularizava aos seus vinte anos. E que depois levanta a cabeça, como a avestruz, agarrando o gôle de ar que, durante todo o dia, fará a diferença. Como diz o Zé, descubro uma nova e não catalogada forma de heroísmo, sobreviver à minha ideia juvenil de mundo. E é assim, com a cabeça levemente inclinada sobre o olival, que saio, estupidamente feliz, reizinho do meu mundo, para o lado de fora deste teatro onde quase nada do que é, parece.