Algumas luas atrás acordei com uma oliveira plantada na sala. Não acontece todos os dias, ou melhor, nunca me tinha acontecido. Quis sabê-la toda, sem pausas. O diabo da urgência. Olhei-a de frente e pareceu-me conhecida. Cheirei-a e reconheci-lhe o perfume. De sentido em sentido… abracei-a.
Convidou-me a sentar e abriu um velho livro, de cor e odor azeitonados. Era meu e já não me lembrava. Ofereci-lhe incontáveis serões de memória que me transportaram às fundações de mim. E dos outros que comigo dividiram o ferro e o cimento.
Um dia ofereceu-me papel e lápis, perguntei-lhe pela borracha e explicou-me que se deve deixar correr o fio das palavras directamente do coração, sem emendas, sem verniz nem camuflagem. Sábio conselho que nos deixa nus no meio da praça. Expostos, mas totalmente NÓS. Ao desafio disse sim e lá fui contando àquela oliveira de longos ramos pretos, algumas das nossas estórias, outras vezes revivi os muros e as escadas onde até o nada era tudo, falei-lhe das homenagens à flor da pele a velhos amigos com camarote vitalício dentro de nós.
Não é um livro acabado, apenas está escrito até metade, o resto são páginas em branco que escreverei com novas estórias. As páginas em branco dos livros são o futuro, não se devem usar para voltar a escrever o passado.
E os dias na companhia da oliveira continuavam. De costas aninhadas no seu tronco, abrigava-me na sua copa e dividíamos estórias e segredos. Contou-me que um dia se enamorou por uma nuvem. Da transumância das nuvens sobreveio um olhar, uma nuvem parou e olhou-a de um modo diferente do habitual. Tinha a sensação que a olhava debaixo da pele. Nunca nada se fixara nela assim. Estavam neste estado de flutuação quando apareceu o vento. Dominador e zeloso da ordem das coisas, apontou à nuvem o seu caminho. Nesse dia, a oliveira entendeu que, ao contrário das pessoas, nunca poderá escolher o seu caminho.
Um dia, aproximou-me dela e contou-me um segredo. Tinha vindo para o Natal. Amiga do pinheiro que enfeita os natais em minha casa, pediu-lhe para que a deixasse substituí-lo. E assim, neste Natal, é a oliveira de longos ramos pretos que com as suas azeitonas multicor, nos faz companhia e protege as ofertas que a seus pés se abrigam.
A todos um bom Natal! Hoe! Hoe! Hoe!
domingo, 23 de dezembro de 2007
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