terça-feira, 22 de janeiro de 2008

A olhar para uma mescla de posts e comentários, e um pouco a sério:

1. A Rapariga Que Vinha da Província continua, como é natural face à sua origem, a desconhecer a Cidade - aquilo que está aqui a ser discutido é a cidade. O que poderemos discutir é se deve ser ou não deve ser a cidade: uma discussão ética, com conteúdos técnicos (e mesmo científicos). Mas nunca poderá negar o real - a cidade é aquilo, as cidades são aquilo, o país proliferou naquilo.

2. Não desmereço as questões éticas. Mas não me posso surpreender com o real quando ele é omnipresente. Nem tampouco zangar-me quando intervém nas minhas memórias (paisagísticas e lúdicas) privadas e achar normal quando o resto involui assim.

3. Há questões éticas (até meta-deontológicas). Os arquitectos são profundamente responsáveis do que se tem passado no Portugal do poder local. Há sobre eles um discurso que sempre os desculpabiliza (são os desenhadores, são os engenheiros, são os empreiteiros - que projectam; são os donos - que obrigam). É uma classe que mantém status social - não tanto como nas gerações anteriores quando secundavam o juiz, engenheiro, médico e coronel, mas isso porque a sociedade mudou e as outras profissões de toga (e farda) perderam estatuto e distinção. É uma classe que mantém status social e alguns recursos - muitos estão proletarizados, os jovens parecem caídos nas guildas medievais. Mas não é só com essa corporação que isso acontece.

Esta é uma lengalenga para insistir num ponto: que eu saiba não há nem houve um único movimento corporativo para combater estas tropelias. Se tal existe não passa à opinião pública medianamente informada. É, sistematicamente, uma classe que se quer escapar ao escrutínio público na mistura de duas reclamações: a auto-desculpabilização referida; a tecnicidade do seu ofício, nada atreita a leigos (argumento repetido que deixa entrever a sua superioridade sobre todos os outros ofícios, claro está). Mais, assume as mais execráveis posições e afirmações públicas sem qualquer pudor ou crítica corporativa - abaixo, em registo corrido falei do Siza sobre Alcântara: têm que me dar muitos pormenores do contexto para que eu aceite a sempre presente desculpa da descontextualização. Na realidade o que se passou foi que o guru (e também guru ético, tamanho o mito do Arquitecto e da Personagem que vão alimentando) referiu que se não fosse ele a fazer uma torre outro o faria - e nenhum colega berrou indignação com tamanha miséria moral.
Não há planos, não há leis, não intenções, não há ideais que valham por si mesmo. Valem executados e imaginados por pessoas. Portugal formou gerações de técnicos desta actividade que se portam no seu próprio país como criados de bárbaros. Alguns, quando ganham peso, são bárbaros. Confesso que prefiro os bárbaros aos lacaios. E se vamos discutir o que se passa não vale a pena agarrarmo-nos a hipotéticos velhos planos ou a ideais cristalizados. Apontar causas muito gerais também serve de nada (alguém se lembra de uma crónica do MEC sobre o "eles"? aqui "eles" como políticos, como pato-bravos, aqueles que são culpados, mas que são uma mole mais ou menos indistinta e, portanto, indemonstrável).
4. Isto não tem preto e branco nenhum. O preto e branco é apontar as desgraças e não encontrar os contextos em que brotam - ou então apontá-los amputados, denunciando almas tenebrosas em busca do dinheiro à custa de toneladas de betão. Claro que sim, que as há. E dão os restos aos técnicos para que eles idealizem este Portimão de norte a sul.A primeira barreira, com saber específico e tudo, é essa gente. Que não cumpre...
5. OK estou fora dos Olivais, já. Mas como no blog já se falou, e ainda bem, do esforço arquitectónico do bairro aqui fica a minha opinião - mamarracho a mais ou a menos (vide por exemplo a magnífica Pantera Cor-de-Rosa, que era um exemplo e se tornou um demónio) essa geração de arquitectos (das quais a elite vai papando prémios, reconhecimento, vénias e, até, trabalho no estrangeiro, para orgulho e espanto do portuguesito, sempre atreito aos cristianos ronaldos e figos) formou uma escória. Esta mudou o país. Essa é a grande obra que fizeram - podem encher livros e mais livros com o fruto da sua obra geracional. Mas não o farão, ficaremos apenas com albuns das obras-primas de cada um - perdidos no meio da tralha que fizeram medrar.
6. Depois o pessoal irrita-se e lamenta que não haja parques. Eu aí retrocedo - é claro que é melhor que não haja prédios e que haja parques, em especial se silvestres. Pelo menos haveria menos dinheiro para pagar a estes de quem tenho vindo a falar.
7. Um remoque à Lobita - ninguém saiu dos Olivais porque não tinha trabalho ou condições, etc. Não estamos a falar da desertificação do interior de Bragança ou do Alentejo. O pessoal saíu dos Olivais para ir para a Almada, Telheiras ou Castelo. Tem a ver com casas disponíveis e seu preço. E uma minoria saíu quando viu instalar os primeiros semáforos, ali pela Lourenço Marques. Percebeu que chegado o arame farpado tinha chegado a altura de ir para oeste. Ou, até, para sul.

De fundamentalismo em fundamentalismo…

Esta história do tabaco dá-me cabo do sistema.

Mandam o pessoal deixar de fumar em sitio fechados, mas as infra-estruturas pró pessoal se auto-mutilar nem sinal delas. O que eu quero dizer com isto é que é igualzinho ao que se passa quando se fazem grandes centros urbanos no meio da cidade e se esquecem de criar suporte logístico que os apoie.

Ora bem, vamos a ver se é desta que eu consigo explicar a minha revolta. Há duas vigas mestras a suportar a minha esta minha raiva e são elas:

Saio de casa e os passeios estão cobertos de uma nova matéria. Em vez da pedra da calçada há agora um mar de beatas (bia, grita alguém) que a cobre na sua quase totalidade.

É impressionante…

Com certeza que tudo isto foi largamente pensado e já há uma máquina qualquer que, enquanto dormimos, silenciosamente vai apanhar este novo resíduo e aproveitá-lo para um novo e nada poluente combustível.

Digam-me, por favor, que isto é assim…


Passear já não é a mesma coisa. Há, neste campo, também um novo conceito no que toca ao vulgar passeio. Fazer uns meros 500m, por exemplo na Av. 5 de Outubro, (que é com certeza um espelho do que se passa por toda esta nossa terra à beira-mar plantada) é sermos bafejados (e o termo é realmente este) de 3 em 3m por uma nuvem branca/cinza e morna acabadinha de sair do pulmão de alguém que está a morrer de frio e a fumar à porta do seu escritório, em vez de estar a dar cabo das facturas que estão em cima da sua mesa (ia dizer secretária, mas pode sempre dar origem a más interpretações). Podemos sempre ir para o meio da estrada e então sim, as vítimas mortais causadas pelo tabaco iriam aumentar consideravelmente.


Ideia brilhante em jeito de conclusão, arranjem-se uns cinzeiros grandes e coloquem-nos dentro dumas redomas de vidro – tipo tubo com cerca de 1,5m de diâmetro e 3m de altura, haverá uns um bocadinho maiores para os mais gordos ou para os que gostam de ir aos pares, onde o pessoal vá, à vez, fumar - deixam de haver beatas no chão, o fumo é canalizado para cima em vez de ser na cara dos transeuntes (sempre gostei desta palavra) e os fumadores não terão tanto frio… quando chover é que vai ser um problema… chamem lá um engº para resolver isto, s.f.f.

Ufa!

todos os carreiros iam dar ao Cheira

Aquelas terras tiveram vários carreiros, todos plantados até sobrar um único. Balizado pelas amanhadas cercas das hortas que não davam gozo nenhum trespassá-las, o carreiro só servia para nos passar de um lado para o outro e para os “proprietários” obrarem as couves que ali plantavam. Bastante puto atravessei aquilo todos os dias, morava do lado de cá, frequentava do lado de lá um colégio/apartamento no prédio do canguru... (Também lembro em dias de chuva dar a volta por baixo)

Brincadeira ali, lembro de quando aquilo ainda não estava minado de hortaliças inventarmos pista de ciclocross, de pouca dura. Não era território para grandes brincadeiras, mesmo para pedalar a bicla havia outros que davam muito mais gozo. Lembro também o recreio da escola barracão eternamente provisória.

(isto dos links é giro... não vos quero é chatear muito se não, punha o mesmo link em todas as palavras)

Enquetafula:

Se a horta pariu um monstro? O monstro cresceu-se Portugal? E Portugal defecou na horta?

e eu acho que ...

... isto já merecia um enquete
lenha para a fogueira
(ou de comment a post)

ó meus caros amigos a quem nunca faltou educação nem sustento
(nem umas viagenzitas pelos trópicos ou pela neve, se calhar, eh, eh)

tudo é MELHOR do que o que lá está neste momento.

a arquitectura é

a densidade urbana TENEBROSA

o nível de impermeabilização do solo é de 100%!

o espaço público AUSENTE

a especulação deu MUITO LUCRO

aquilo NÃO É CIDADE

pelo menos, nas hortas, havia alguma biodiversidade!

e, desculpem lá, permito-me duvidar que os vossos filhos prefiram o shopingue a umas corridas no meio das ervas daninhas e das couves, à falta de um parque ou de um outro lugar decente para brincar.

um dia (até a nós) isto teria de acontecer

Enfim, reconheçamos que até um inocente tópico, vestido de fotografias aéreas, pode ele também espoletar a cisão num grupo tão unido quanto esta olivalesca tribo. Sejamos agora corajosos e frontais, antes que tudo isto se transforme numa batalha campal (bem à moda dos olivais) de onde voarão as palavras aguçadas e as inconfidências desagradáveis, e assumamos que estamos perante duas facções que no âmago do projecto do nosso bairro jamais verão os seus pontos de vista conciliados.

Aqueles que pretendem habitar um passado ermitão que insiste em empurrar a sua contrariada descendência para a horta do sô manel, que se quedem por aqui, já que afinal - e reconheçamos o direito dessa propriedade - tal perspectiva arrola o romantismo que esteve na fundação deste blog. Já essoutros que como eu preferem a lycra esbranquiçada e brilhante dos fatos-de-treino da adidas para as suas caminhadas culturais pelas galerias do centro comercial, que sigais comigo então. Abriremos um outro blog, mais urbano, mais sofisticado, um reticulado rigoroso que reclamará da modernização que os nossos filhos merecem, talvez até decorado nas suas margens com anúncios da macdonalds, e preenchidos aqui e ali com post's úteis sobre as dicas para a playsation3 e ofertas de bilhetes para estacionamento gratuito, mas sem que os obriguemos a serem empurrados para os espaços esconsos, sombrios e desabitados das nossas memórias hortícolas.
1. eu acho que finalmente isto atingiu o estatuto de blog colectivo - há discussão interna ("ó hííílda, mete os putos em casa qu'á porrada no beco", diziam os das hortas ...). Mais um bocadinho e até os entre-carolos ascenderão a posts e, então sim, teremos BLOG... (oops, então por que é que não trago o comentário a post?).

2. eu apoio o post do benguela que (....) me apoia a mim. Gosto ainda, e particularmente, da história de que em carreiro trilhado não se cria tabaco, o que é uma chatice

3. os meus pais são octogenários - estão a envelhecer como todos os pais da rapaziada da geração que enche as memórias que animam este blog, geração essa que também se apresta a cair da tripeça, tamanha a rapidez do circuito. Habitam eles na Bolama, ao cimo de umas escadas que só uma torpe visão da História continua a denominar como do "prédio do Barão".
Vão ao correio logo ali. Têm multibancos e bancos à frente de casa. Têm praça de taxis sempre disponível. Têm (interrompido agora, por obras) cinemas (ainda que da Lusomundo). Têm uma Bertrand, uma papelaria para os jornais todos e mais as revistas que pululam, um supermercado decente (muito fraco de vinhos, aviso), restaurantes vários até mais ou menos.
E agora vêm-me dizer que o bom é que tivessem posto ali um parque (ainda por cima a 500 metros do Vale do Silêncio?!!?) para que o pai António (posso deixar o nome verdadeiro, senhores administradores?) andasse por lá a ver os rapazes da sua geração a babarem-se nos bancos enquanto jogam dominó - sim, porque a ele sentado a virar as peças não o estou a ver - e a resmungarem sobre o tempo do peyroteo, do salazar e das tipas com buço?
Um bocado menos de tijolo e betão por ali? Claro - mas não está Lisboa toda assim? Não está todo o país assim "urbanizado"? Como é que haveria de ser diferente à porta da (nossa) rua? Devido ao espírito do "sô manel", a assombrar os empreiteiros e os cabo-verdianos/eslavos gritando-lhes "com o dedíínho é que ééé!!!", e fazê-los fugir dali não lhes fossem desfalecer outros apetites menos betonais?
4. Para além disso o Gordo ainda lá está, confirmei recentemente - um gajo pode ir do Gordo ao Ferrador sem passar por aquela tralha, basta dar a volta. E assim se desermerdar sem quaisquer problemas ...

Poesia num Carreiro?


















Grande Bolama! Poupaste-me muito tempo ao escrever o que escreveste. Era exactamente isto que eu queria dizer. E que escrito por ti fica muito melhor.
"Poesia num carreiro"?
Nos arames? nos bidons ferrugentos?, na "escritura virtual" do Sr. Manel. Seria aquilo mesmo nosso? Brincava-se ali, ou passávamos ali por mera economia de pernas e tempo?
Desde a criação dos Olivais, nunca ninguém concretizou ali projecto algum, apenas abandono. Corporativismo, Comunismo, Socialismo, Social-Democracia, ninguém para aquele espaço produziu uma solução.
Ganhou o capitalismo! Viva o capitalismo!
Agora tem pessoas, tem empregos, tem vida!
Se gosto do modelo? Não gosto!
Prefiro o abandono? Não prefiro!
E já agora uma pequena "farpa" aos "poetas do carreiro". Este projecto teve duas fases. A primeira pode ter sido a "sangue frio" mas... quem foi capaz de, depois da primeira intervenção, criar um movimento para salvar a parte norte?
Ninguém pois não?
Devíamos todos (salvo honrosas e admiráveis excepções) ir para a escola da intervenção cívica e aí ganhar o direito a intervir deste modo tão "alapado no sofá".

o fim das hortas...

(1996-97)


...
(2007)

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É preciso não esquecer o que as hortas representaram para a economia doméstica de muitas famílias do bairro.
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