A olhar para uma mescla de posts e comentários, e um pouco a sério:
1. A Rapariga Que Vinha da Província continua, como é natural face à sua origem, a desconhecer a Cidade - aquilo que está aqui a ser discutido é a cidade. O que poderemos discutir é se deve ser ou não deve ser a cidade: uma discussão ética, com conteúdos técnicos (e mesmo científicos). Mas nunca poderá negar o real - a cidade é aquilo, as cidades são aquilo, o país proliferou naquilo.
2. Não desmereço as questões éticas. Mas não me posso surpreender com o real quando ele é omnipresente. Nem tampouco zangar-me quando intervém nas minhas memórias (paisagísticas e lúdicas) privadas e achar normal quando o resto involui assim.
3. Há questões éticas (até meta-deontológicas). Os arquitectos são profundamente responsáveis do que se tem passado no Portugal do poder local. Há sobre eles um discurso que sempre os desculpabiliza (são os desenhadores, são os engenheiros, são os empreiteiros - que projectam; são os donos - que obrigam). É uma classe que mantém status social - não tanto como nas gerações anteriores quando secundavam o juiz, engenheiro, médico e coronel, mas isso porque a sociedade mudou e as outras profissões de toga (e farda) perderam estatuto e distinção. É uma classe que mantém status social e alguns recursos - muitos estão proletarizados, os jovens parecem caídos nas guildas medievais. Mas não é só com essa corporação que isso acontece.
Esta é uma lengalenga para insistir num ponto: que eu saiba não há nem houve um único movimento corporativo para combater estas tropelias. Se tal existe não passa à opinião pública medianamente informada. É, sistematicamente, uma classe que se quer escapar ao escrutínio público na mistura de duas reclamações: a auto-desculpabilização referida; a tecnicidade do seu ofício, nada atreita a leigos (argumento repetido que deixa entrever a sua superioridade sobre todos os outros ofícios, claro está). Mais, assume as mais execráveis posições e afirmações públicas sem qualquer pudor ou crítica corporativa - abaixo, em registo corrido falei do Siza sobre Alcântara: têm que me dar muitos pormenores do contexto para que eu aceite a sempre presente desculpa da descontextualização. Na realidade o que se passou foi que o guru (e também guru ético, tamanho o mito do Arquitecto e da Personagem que vão alimentando) referiu que se não fosse ele a fazer uma torre outro o faria - e nenhum colega berrou indignação com tamanha miséria moral.
Não há planos, não há leis, não intenções, não há ideais que valham por si mesmo. Valem executados e imaginados por pessoas. Portugal formou gerações de técnicos desta actividade que se portam no seu próprio país como criados de bárbaros. Alguns, quando ganham peso, são bárbaros. Confesso que prefiro os bárbaros aos lacaios. E se vamos discutir o que se passa não vale a pena agarrarmo-nos a hipotéticos velhos planos ou a ideais cristalizados. Apontar causas muito gerais também serve de nada (alguém se lembra de uma crónica do MEC sobre o "eles"? aqui "eles" como políticos, como pato-bravos, aqueles que são culpados, mas que são uma mole mais ou menos indistinta e, portanto, indemonstrável).
4. Isto não tem preto e branco nenhum. O preto e branco é apontar as desgraças e não encontrar os contextos em que brotam - ou então apontá-los amputados, denunciando almas tenebrosas em busca do dinheiro à custa de toneladas de betão. Claro que sim, que as há. E dão os restos aos técnicos para que eles idealizem este Portimão de norte a sul.A primeira barreira, com saber específico e tudo, é essa gente. Que não cumpre...
5. OK estou fora dos Olivais, já. Mas como no blog já se falou, e ainda bem, do esforço arquitectónico do bairro aqui fica a minha opinião - mamarracho a mais ou a menos (vide por exemplo a magnífica Pantera Cor-de-Rosa, que era um exemplo e se tornou um demónio) essa geração de arquitectos (das quais a elite vai papando prémios, reconhecimento, vénias e, até, trabalho no estrangeiro, para orgulho e espanto do portuguesito, sempre atreito aos cristianos ronaldos e figos) formou uma escória. Esta mudou o país. Essa é a grande obra que fizeram - podem encher livros e mais livros com o fruto da sua obra geracional. Mas não o farão, ficaremos apenas com albuns das obras-primas de cada um - perdidos no meio da tralha que fizeram medrar.
6. Depois o pessoal irrita-se e lamenta que não haja parques. Eu aí retrocedo - é claro que é melhor que não haja prédios e que haja parques, em especial se silvestres. Pelo menos haveria menos dinheiro para pagar a estes de quem tenho vindo a falar.
7. Um remoque à Lobita - ninguém saiu dos Olivais porque não tinha trabalho ou condições, etc. Não estamos a falar da desertificação do interior de Bragança ou do Alentejo. O pessoal saíu dos Olivais para ir para a Almada, Telheiras ou Castelo. Tem a ver com casas disponíveis e seu preço. E uma minoria saíu quando viu instalar os primeiros semáforos, ali pela Lourenço Marques. Percebeu que chegado o arame farpado tinha chegado a altura de ir para oeste. Ou, até, para sul.