De: Maria Correia
Hoje passei pelos Olivais. Nada de novo, na frente ocidental, com excepção da grande muralha de betão que me parece finalmente completamente construída, enorme, massa, volume, sem respiração e cortando a respiração do bairro. Sou actualmente uma mera visitante esporádica do bairro, sinto-o por vezes mais aqui pela olivesaria--as recordações são vivas--do que quando por lá passo. Ontem passei também pela Olivesaria, como passara há uns dias, há umas semanas; também nada de novo na frente ocidental. Apenas um silêncio com nomes, num espaço que já vi mais movimentado. Hoje, ao passar pelos Olivais, e como é Primavera, lembrei-me como, na minha adolescência e na minha juventude, ( em anos, não em espírito) aqueles relvados e pracetas, aquelas escadas e escadinhas, nesta altura do ano, se encontravam cheios de gente, muitos jovens, sentados na relva, caminhando pelo bairro em direcção à casa de um amigo qualquer, calças de ganga velhinhas porque eram velhas e não por serem compradas rasgadas de propósito nas lojas da moda dos centros comerciais, camisas de xadrez, peças de roupa que na altura ainda não se chamavam bem t-shirts, belos jovens e belas jovens de cabelos compridos e contestação ao canto da boca, cigarros de erva sonhadores nas mãos que, na altura, tocavam o céu azul, um céu onde o amor eram pássaros azuis num campo verde no alto da madrugada. Ocorreu-me automaticamente a frase precisa e incisiva do Mick Jagger, YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT, cantada há trinta anos e continuada a cantar-se por todo o mundo ainda hoje, mas penso que mais baixo, desde que o Lawrence Kasdan a imprimiu para sempre como tema de fundo no filme carismático sobre a perda da inocência da era hippie e o começo da era yuppie, mais egoísta e virada para valores exactamente contrários aos da geração anterior. YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT. O Alex suicidou-se e Kasdan dá a entender subliminarmente que o terá feito devido à «insatisfaction», a mesma coisa que o Jagger dizia no «I can't get no...», ou seja, uma mal aise, uma insatisfação criada no fundo do ser devido ao confronto com a realidade do mundo do capitalismo duro e cru, em que já não havia lugar para a tal inocência que acreditava ser possível viver-se de um outro modo. YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT. É bem verdade que alguns dos valores dessa geração da INOCÊNCIA, no sentido mais puro do Homem natural rousseauniano, foram coados para a sociedade actual, a preocupação com a natureza, (mas depois o desprezo pelo protocolo de Kioto por parte das grandes potências) a ecologia ( mas depois constroem-se muralhas de betão), o misticismo (mas depois surgem-nos para aí bruxos capitalistas a torto e a direito), as organizações de solidariedade social, as ONG's (mas continuamos a ver metade do mundo a morrer de fome), o respeito e o amor pelo nosso semelhante (mas depois surgem guerras e guantánamos e gangs de bairro, cada vez mais violentos)...YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT...NO, YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT...No fundo, a Idade da Inocência ( outro grande filme, mas de Scorsese), perdeu-se. Perdeu-se? Eu continuo a acreditar nesse mundo impossível, sem ódio, sem rancor, sem ciúme, sem morte, sem capitalismo, sem diferenças sociais nem raciais, sem armas, onde o amor ao próximo é possível. Continuo a acreditar contra tudo e contra todos os que dizem que não, que blabla, que isso é uma utopia, que não existe, que é coisa de miúdos barbudos de uma geração perdida, que se drogava e andava de terra em terra, que escreveu livros e poesia e temas musicais eternos, que vivia em comunidades e que depois chegou à conclusão que isso não era possível, que o Homem é um ser egoísta por natureza, guerreiro por natureza, que mata por prazer, enfim, tudo o que diz para aí e se tenta inculcar no espirito das criancinhas enquanto as abafam com computadores e telemóveis e bonecos robô que ladram como os cães verdadeiros, ou fingem que ladram. YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT. O Alex suicidou-se pois não foi capaz de aguentar a pressão do malaise d'être e todos nós conhecemos, ou quase todos, um Alex. Mas a morte de Alex não foi em vão nem impune. Despoletou todo um antigo espírito solidário entre aquele grupo de yupies que também sentia o mesmo mal-estar, afinal, do género: «Deus morreu, Marx também e eu próprio não me sinto lá muito bem. YOU CAN'T ALWAYS GET WHAT YOU WANT.
Hoje, ao passar pelos Olivais lembrei-me disso tudo. A canção também dizia que, se procurarmos bem , «you will get what you need».
Será o «what you need» tão importante na vida como o WHAT YOU WANT?
Hoje, ao passar pelos Olivais lembrei-me disso tudo. A canção também dizia que, se procurarmos bem , «you will get what you need».
Será o «what you need» tão importante na vida como o WHAT YOU WANT?
Maria Correia