Uma fileira de prédios, uma rua, escadas onde se emparelham crianças. Um estádio com relvado de cimento, tardes poeirentas, joelhos esfolados, heróis e ciganos que roubam bolas. O bairro a ficar mais comprido e novas escadas, mais gente. Corridas e calores tensos de fim de tarde. Já bandos de miúdos, já se escolhem amizades. Sobem risos e berros cortando o zumbido das horas que passam sem nada fazer. Motas, namoradas, façanhas e regressos gloriosos. Mortes. A vida a crescer, a fazer-se valer. Coisas que se contam em conversas preguiçosas pelo fim das noites entre cigarros, ganzas e grandes amizades. Desfiam-se licenciaturas, artes e outros jeitos que cada um inventa a fazer o seu futuro. Partem dali muitas estradas e os fins de tarde são agora mais distraídos. Já só por acaso as escadas os juntam, barbudos, até carecas, quase sempre de passagem. A cidade de fora cresce, engole-os, uns não voltam, nem tão-pouco se despedem – de quem afinal? outros mais tarde retornam sem avisar. A vida esticou-se e partiu-se em muitos pedaços diferentes e os miúdos, crescidos, ficaram distantes. Visitas de fins-de-semana, bicas, histórias e reencontros rápidos, quase só acenos.
Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.
A Vespa e a Gestão
Há 2 dias