quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

estória (comprida) na esquadra dos olivais

"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

Esta sentença, ouvia-a eu da boca de um meritíssimo juiz no Palácio de Justiça de Lisboa no dia 14 de Junho de 1984.

Tudo começou a meio da manhã dessa quinta-feira quando saí de casa na minha Vespa amarela (fiel companhia que ainda hoje mantenho), para uma recolha de agriões em casa de fornecedor amigo e que por mero acaso não estava em casa. No caminho de retorno encontrei, um Novo Redondo bom e velho parceiro de muitas horas olivalenses e sesimbrenses.
“Bute aí, levo-te a casa” – convidei eu.

Junto à paragem do 21 próximo da igreja, a tal que o Fula incluiu em roteiro turístico proposto a uma “Intrusa” que por aqui passou, o percurso foi interrompido por uma arreliadora sirene que se declarou, atraída pela ausência de capacete do amigo Novo Redondo.
Acontece que por má fortuna minha, não foi a única ausência que captou a atenção do Xô Guarda que nos interpelou. Interessou-se igualmente pelo facto de eu estar a conduzir uma mota de 125 c.c. sem estar para tal habilitado, isto é: “… não tem carta de condução???”
Ouvi então a primeira sentença do dia: “Todos para a esquadra… e já!”
A firmeza autoritária de um fardado, só encontra paralelo na cobardia da sua versão civil, testemunhei eu na minha passagem pela instituição militar.

Chegados ao posto, fomos intimados a aguardar, nos característicos bancos de “sumápau” que decoram as esquadras. Nesta altura já se tinha atenuado o receio que revistassem a Vespa e me fosse pedida justificação para a existência de uma balança na “mala” da viatura. Em boa verdade, tudo é possível na cabeça de um polícia, incluindo não entender que é perfeitamente normal andar a passear pelos Olivais com uma balança, “debaixo do braço”.
Enquanto isso, o “nosso” polícia ia entrando e saindo da esquadra sem demonstrar grande pressa em iniciar a tramitação processual. De tal modo, que me convenci da intenção do agente em nos “pregar uma grande seca”, e em seguida mandar-nos em paz para o afago do lar, para onde ele iria igualmente quando terminasse o seu turno a meio da tarde.

Aqui chegados, convém lembrar que o tal dia 14 de Junho de 1984, não era, futebolisticamente falando, um dia qualquer. Nesse dia, a selecção nacional jogava com a Alemanha Federal (ou Ocidental como também era conhecida), o primeiro jogo da fase final do Campeonato da Europa, campeonato esse onde nunca tínhamos participado e que apenas encontrava importância análoga no Campeonato do Mundo em 1966(!). Certamente que estaria nesse acontecimento a explicação para o facto do polícia não pretender avançar com situações que poderiam muito bem desaguar em trabalho extraordinário.

Tudo se encaminhava para um fim feliz como no mais feérico dos contos, quando o Novo Redondo desta estória resolveu na melhor tradição olivalense, questionar o cumprimento das regras de boa conduta policial afixadas em quadro na parede do “estabelecimento”.

“O polícia apresenta-se sempre bem ataviado”
Sonora risada e comentário pouco abonatório.
“O polícia dirige-se educadamente aos cidadãos” sonora risada e comentário pouco abonatório.
E foram-se sucedendo as sonoras risadas e os comentários pouco abonatórios.
De tal modo que o sub-chefe de serviço, furioso e agastado com as observações, aproveitou uma ausência do polícia responsável pela detenção, e comunicou com o Tribunal de Polícia na Av. Marquês da Fronteira informando que se iria apresentar para julgamento um “meliante” que conduzia sem carta de condução.
E assim mesmo sucedeu.
O Novo Redondo foi mandado em paz para casa e após séria discussão entre o sub-chefe e o polícia da detenção lá foi este, contrariado e mais aborrecido que um deputado em dia de plenário na A.R. acompanhar-me ao julgamento no Palácio de Justiça de Lisboa.

No percurso, afinámos a estratégia para que tudo se desenrolasse de forma célere e limpa, pelo menos para o meu cadastro.

Arribei ao Palácio acreditando que o depoimento favorável do representante da autoridade, aliado a duas ou três lágrimas de crocodilo, me fariam passar incólume na sentença judicial.

AZAR o meu…
O meritíssimo de serviço, partilhava do nosso gosto pelo futebol e tanto assim era que já tinha recolhido a casa deixando o contacto telefónico para a eventualidade de algum “fora-da-lei” aparecer mas certamente convicto que tal não iria suceder.
AZAR o dele… e o meu!

Obviamente que quando o telefone tocou e foi informado de que havia “trabalho”, a minha condenação ficou garantida. E com toda a razão, acrescento eu. Não se interrompe impunemente a pacatez caseira de um juiz de serviço ao Tribunal de Polícia no Palácio de Justiça.

O julgamento foi rápido e no melhor estilo antes de ser já o era, fazendo lembrar Guantanamo.

Cumprimos todos a nossa missão:
Eu ofereci comoventes, intensas e sentidas gotas lacrimejares que réptil algum seria capaz de igualar;
O Xô Guarda enalteceu todas as minhas qualidades humanas, fina educação, trato irrepreensível e todos os encómios que a inspiração proveniente da vontade de ir assistir ao jogo rapidamente, lhe fornecia;
O Sr. Dr. Juiz, foi ligeiro e assertivo:
"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

P.S (1). Esta estória teve um final tântrico. Apenas terminou 13 meses depois quando paguei a última prestação da coima. Tinha terminado a tropa e estando impedido de voltar a estudar por ter atingido o limite parental de 3 anos escolares chumbados, encontrava-me na situação de desempregado sem capacidade financeira para pagar a multa.
A solução mais natural foi solicitar um empréstimo aos meus progenitores. Para minha grande surpresa resolveram dar-me uma lição.
“Estás sem dinheiro? Não tens rendimentos? Explica isso ao juiz e pede para pagares em suaves prestações” E assim foi, pedido apresentado, deferimento conseguido e após a liquidação da primeira prestação de 3.500$00, dirigi-me invariavelmente, no início dos doze meses seguintes à C.G.D. do Palácio da Justiça com as respectivas guias preenchidas, pagar os 1.000$00 acordados.
Não sei bem porquê, tornei-me averso a multas e foram muitas poucas as que tive até hoje.

P.S. (2) Portugal empatou 0-0 com a Alemanha Federal. 5 anos depois deixou de ser Federal porque alguém se encostou a um muro que por lá havia, derrubou-o e ficou vazio um mastro na sede da ONU.

xai-xai

actualização de links (*)






Na coluna da esquerda foram suprimidos da secção "oliveiras por aí espalhadas" três blog's de autores com origens olivalenses que há um tempo significativo nada editam, a saber: "a memória inventada", "colheita de 63" e "antigamente". Estes blog's, porque continuam disponíveis, transitarão então para uma nova secção a que chamámos "oliveiras em pousio" para que assim os distingamos daqueles que continuam com uma actividade de edição regular.

Não se retiraram ainda desse espaço outros blog's que neste momento se encontram com declarações de encerramento por se levantarem duvidas sobre a efectiva irreversibilidade dessa determinação, já que os seus veteranos autores são várias vezes reincidentes nesta intenção de mortalidade dos seus blog's. É o caso do "apenas+1", sete vezes autodeclarado defunto e do "ma-schamba" que, senão tantas, outras muitas vezes se (re)encerrou também. Vigiaremos de perto os humores desses sítios antes da excisão final.

Entretanto têm sido acrescentados novos links a blogs de olivalenses sempre que estes nos forem notados, como foram recentemente os casos do "nuno fonseca (illustration)" e do "os amigos de alex". Aproveitamos para fazer um apelo a quem souber de outros blog's que por essa condição devam ser aqui divulgados que façam o favor de nos informar.


(*) ou Elos - de acordo com a ortodoxia do léxico português veementemente defendida pelo saudoso Bolama