Sobre esta
entreposta e a sua, bem-humorada, acusação de neo-colonialismo à iconografia urbana que baseia a toponímia dos Olivais-Sul que o
Beira tem vindo a apresentar (e em boa hora):
Nas minhas andanças tenho visitado alguns dos lugares agora evocados. Delas tenho bastantes registos fotográficos e, escassos, em postal ilustrado. Mas é por ter opinião exactamente inversa à do
Fulacunda que aqui não as coloco, nem mesmo como adenda ao que o
Beira vem fazendo.
Com efeito é exactamente esta iconografia apresentada que funda a toponímia olivalense, um conjunto de cidades coloniais (largas, arejadas, centradas num conjunto de edifícios públicos, rodeadas de zonas residenciais planas mais ou menos padronizadas) do qual são retiradas - enquanto objecto iconografável, público(ável) - as zonas residenciais da população africana (algumas, escassas, em alvenaria, os "bairros indígenas"; a maioria em material perecível - o "caniço", o "musseque"). E ainda mais, as próprias representações das populações urbanas centram-se nesta dicotomia, por um lado alguma presença humana dos europeus e dos seu artefactos (seja de lazer, seja de locomoção, seja de comércio) e o esvaziamento africano (à excepção de uma ou outra figura típica - o cipaio, o riquexó). Sobre esta dicotomia na concepção das urbes coloniais se houver algum arquitecto interessado há uns textos válidos do Arq. Miranda Guedes (Pancho). É pois não só um urbanismo baseado numa específica concepção do mundo e das relações entre as populações coexistentes (uma ideologia se se quiser) como também uma produção iconográfica dela emanada.
E é esse urbanismo e essa visão que está consagrada na toponímia olivalense. Foi essa realidade urbana, sociológica, política, transposta nestas imagens, que fundou a toponímia colonial dos bairros da capital imperial contemporâneos do efectivo esforço colonizador em África (pós 1950) e, inclusive, da mobilização das mentes em tempo de guerra - os "locais", consagrados no quotidiano residencial, nos Olivais-Sul; os "heróis caídos em combate", recordados no quotidiano residencial, nos Olivais-Norte.
É uma era da história do país. Colonial, e nessa condição perfeitamente coerente - a sua lembrança poderá ser historiográfica ou, como aqui, memorialista. Uma escorregadela neo-colonial seria, em meu entender, ilustrar a toponímia desse período com uma iconografia actual - claro que as cidades são as mesmas (ainda que muitas com nome diferente). Mas são também, sociologicamente outras. E, até, urbanisticamente outras. São, portanto, as mesmas mas também outras. Nesse sentido recuperá-las hoje para ilustrar o ontem, seria denegar uma ruptura naquela coerência ideológica, esquecer a história - inscrever uma coerência de projecto, uma teleologia, onde já não está.
Outra coisa, outro projecto, será o de "como será hoje aquela realidade?". Não as cidades que nomearam as nossas ruas, mas em que se vão transformando as cidades que nomearam as nossas (antigas - que também nós nos transformámos) ruas. Sabendo, de antemão, que as câmeras de hoje são menos centradas, o "olho-de-boi" mais livre, as urbes - já de si agora tão diferentes - muito diferentemente retratáveis.
(releio isto, a virgular - ficou assim com um toque doutoral. Desculpar-me-ão, já hei-de escrever um post cheio de palavrões a ver se recupero algum crédito)