Chego-me à beira desta janela com vista para o aeroporto e de repente é ela que se aproxima de mim como imagem de dentro, como se me quisesse contar uma história.
Eu trabalhava nos Correios do Aeroporto, estariamos em 1982. João Cabral, era caboverdiano, negro retinto e, como eu, carteiro assalariado. Havia uma diferença entre nós, que tinhamos alguma formação, e aqueles carteiros tradicionais, pelo que nos eram dadas outras tarefas, como dividir o correio. E o João era um dos mais ágeis na divisão do correio internacional e por isso quase nunca tinha de ir para a mesa onde se abriam os sacos, se desatavam os maços e se enfiavam as cartas nas paletes.
Mas às vezes também nos calhava, claro. E quando assim era os carteiros mais antigos aproveitavam para lhe azucrinar o juízo.
Nharro, escarumba, queimado, macaco, eram alguns dos mimos. Ele aguentava-se como podia e isolava-se. Encontrava-o muitas vezes a olhar a janela para a pista, vendo os aviões pousarem ou descolarem. Naquele dia tinha sido demais. Senti necessidade de lhe ir dar um apoio. Aproximei-me da janela:
- Então, estás a pensar que te apetecia pegar num desses e fugir desta terra?
Olhou-me com cara serena:
- Não, estava a pensar que queria ir para casa brincar com a minha mulher.