sábado, 10 de novembro de 2007

Janela virada para a pista






Chego-me à beira desta janela com vista para o aeroporto e de repente é ela que se aproxima de mim como imagem de dentro, como se me quisesse contar uma história.
Eu trabalhava nos Correios do Aeroporto, estariamos em 1982. João Cabral, era caboverdiano, negro retinto e, como eu, carteiro assalariado. Havia uma diferença entre nós, que tinhamos alguma formação, e aqueles carteiros tradicionais, pelo que nos eram dadas outras tarefas, como dividir o correio. E o João era um dos mais ágeis na divisão do correio internacional e por isso quase nunca tinha de ir para a mesa onde se abriam os sacos, se desatavam os maços e se enfiavam as cartas nas paletes.
Mas às vezes também nos calhava, claro. E quando assim era os carteiros mais antigos aproveitavam para lhe azucrinar o juízo. Nharro, escarumba, queimado, macaco, eram alguns dos mimos. Ele aguentava-se como podia e isolava-se. Encontrava-o muitas vezes a olhar a janela para a pista, vendo os aviões pousarem ou descolarem. Naquele dia tinha sido demais. Senti necessidade de lhe ir dar um apoio. Aproximei-me da janela:
- Então, estás a pensar que te apetecia pegar num desses e fugir desta terra?
Olhou-me com cara serena:
- Não, estava a pensar que queria ir para casa brincar com a minha mulher.
Abaixo há um comentário perguntando pelo Afonso de Melo, um tipo que andou nos Viveiros e do qual a primeira memória que tenho é a de que jogava Subbuteo com o Facadas, andava eu no 9º ano, e que depois fui encontrando muito episodicamente por quase todos os recantos lisboetas que cruzei, e até no mesmo "Calhau" saloio arranjámos histórias ainda que não exactamente contemporâneas.

[como é sabido agora há um "livro de estilo" no Olivesaria, apenso à coluna da esquerda. Mas o homem está na internet pelo que lhe posso dar nome. E quanto ao Facadas não aparece mais na história, não virá grande mal ao mundo (olivalense) que aqui lhe some o sufixo "acadas" ao F. que me estava permitido]

Enfim, ao Afonso de Melo fui-o lendo, apesar das profundas divergências de fé cromática. E é caso para dizer que a azeitona brotou, é ir-lhe à página. Vem escrevendo coisas lá do trabalho dele, e ainda mais contos e romances. Ficam aqui algumas capas, que não esgotam a estante que o homem já enche.

Viagem em Redor do Planeta Eusébio (Primebooks).

A Pátria Fomos Nós (2006) (Primebooks).

Uma Sombra Laranja-Tigre (D. Quixote, 2005)

Não Morrerei em Buenos Aires (D. Quixote, 2006)
BEFORE/AFTER


Como todos se desvendam eis o Manafá, no tempo dos Viveiros.