sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Abaixo um belo texto, em registo estruturado. Aqui, num registo leve, um mero contributo que se quer contestário da tese implícita, ainda que concordando com o sumo exposto (contradição? não tanto):
Junho, verão a começar. Chegam as férias e, como pai separado, aboleto-me em casa dos pais com a minha filha sob o alibi de que é preciso que eles convivam, criem laços. Os dias passam, cinema ali, teatro acolá, passeio, muita brincadeira com os avós - culinária e enologia (ginginha e tudo) iniciáticas - mas faltam-lhe as crianças, que isto de ter 5 anos sempre no nosso meio também cansa. Concordo, e de manhã avançamos ao (triste, diga-se) parque infantil do Largo das Mamas.
Abundam as crianças, para aí umas 25. Escoltadas pelas mães, algumas muito credoras de me deixar eu a imaginá-las também em condições de solidão conjugal, e um batalhão de avós - eu, claro, o único homem por ali. O tempo passa, a manhã vai escorrendo, os meus jornais abandonados, convocado pela C. (aqui não se podem dizer os nomes verdadeiros ...) para brincar no entre-baloiços e escorregas, no entre-escorregas e baloiços. Está feliz, mas não esfusiante - talvez pelo silêncio entre-miúdos, muito certinhos ali, imagino, sabendo-a nada tímida nestes meios. Corre por ali descalça, enceta brincadeiras com outros mas logo regressa ao apaixonado pai.
À certa altura uma das mães, simpatia no sorriso, avança para mim: "ali ao fundo estão umas sandálias, estive a ver de quem seriam e só podem ser as da sua filha". Adivinho-lhe alguma complacência diante deste pai ali de serviço, obviamente em férias, a esforçar-se ao máximo mas com as desatenções ou descuidos em que os homens sempre são pródigos, dirá ela. Agradeço-lhe a atenção, logo olho em volta e, claro, constato, a C. é a única das crianças que ali corre e brinca descalça na borracha.
Avanço para ela, não vá a prestável mãe pensar que a ignoro. Faço-lhe uma festa na cabeça. E, claro, deixo-a descalça. No meio dos calçadinhos.
Depois, já à tarde, a C. perguntar-me-á, como quem não quer a coisa e entre outras conversas: "papi, por que é que em Portugal os meninos não brincam?"
(rio-me, sai-me um "é tudo relativo, filha" que ela não compreende - mas, felizmente, não terei que explicar, pois ela já está a fazer outra coisa - dançar com o avô? lavar os móveis? pintar tudo? criar licores com a avó? ah, descalça, claro ...)

3 comentários:

joão belo disse...

bom texto e ainda por cima sinto-me meio ligado a ele. até imagino que nesse dia à tarde, num relvado lá para Palmela, onde não se plantavam couves, a C. e o P. correram, com meia dúzia de outras crianças, descalços atrás de uma bola, com o Pai João Belo a correr também de um lado para o outro enquanto o Pai Bolama, é o costume, mandava umas bocas, ao árbitro (ou à falta dele), aos jogadores, ao jogo.
:)

bolama disse...

um desses dias ... um desses dias..

o pai bolama mandava bocas era à falta de jeito para a bola que alguns graúdos demonstravam

maria correia disse...

A pergunta que C. fez é pertinente: «Em Portugal, as crianças não brincam?»

Brincam, sim, fechadas nos infantários, em jardins exíguos, devido a ambos os pais terem de trabalhar para o sustento da casa...Aí, aprendem a brincar «ordenadamente», sem tirar os sapatos. «O menino está descalço? Vá já calçar as botinhas!» E o menino lá vai...talvez, por isso, quando vão ao parque, também brinquem «ordenadamente». Mas, se as levamos «ao campo», a um espaço sem muros ( de betão) nem ordem, voltam, creio eu, a ser crianças de novo, ou seja, a brincar À VONTADE. Isto é um problema de culturas, não só entre países mas, também, entre bairros e de bairro...enfim, no fundo, um problema urbanístico também...