sábado, 9 de fevereiro de 2008

Será que Pavese foi feliz?

«Ou será que Cesare Pavese tinha toda a razão quando disse: NADA É MAIS INABITÁVEL DO QUE O LUGAR ONDE FOMOS FELIZES?»

Bela frase da Maria.

Pegando nesta frase e transportando tudo para o que nela me faz entrar no mundo infantil na rua onde nasci (Rua Cidade de Bafatá, nº33) fico confuso.

Fui feliz naquela rua? Tão feliz que me seja insuportável lá voltar?

É verdade que passei naquela rua maravilhosos momentos, brincadeiras doidas de miúdos que passavam todo o tempo disponível na rua... e quando se está na rua e não há brinquedos o que se faz? Inventa-se... Essa vivência deu-me muita felicidade, muitos ensinamentos...

Mas também foi nessa rua que soube da morte do meu pai... foi nessa rua que chorei quando me morreu o cão que adorava, foi nessa rua que apanhei sustos tremendos, tiros nas janelas, assaltos, etc etc...

Foi nessa rua que tremi quando bandos de outros putos da rua, esses um «bocadinho» mais selvagens que nós, entravam por ali e nos roubavam as coisas...

Enfim, não diria que foi uma rua onde só vivi felicidade. Não! Vivi de tudo, felicidade, tristeza, amizade... Foi uma vida completa.
Talvez por isso, não se aplique ali a frase de Pavese, não é nada inabitável aquela rua.

Mas, se me perguntarem: «Gostavas de trocar a casa onde vives por uma vivenda na rua onde nasceste?»... confesso... Os Olivais já não me atraem... Gosto de lá ir ver uns amigos.

Tenho curiosidade em ir a sítios onde ía em puto... e pouco mais!


Rua 2, nº 33, Rua Cidade Bafatá!

6 comentários:

joão belo disse...

E nesse pouco mais está também esta Olivesaria, lugar onde hoje regressamos a um Olival que tem cruzamentos para o passado, para hoje e para amanhã. Bem vindo!



:)

maria correia disse...

Cesare Pavese tinha toda a razão quando falava desses lugares inabitáveis...«onde fomos felizes»; é que a felicidade é indissociável do sofrimento, andam quase a par, muitas vezes.Pavese, ao falar da felicidade, fala também da perda. Também foi nos Olivais que perdi os meus pais, os cães de que gostei, alguns amigos, também...O que acontece é que o fulgor da felicidade que vivemos se sobrepõe sempre à dor. SE voltarmos a lugares onde apenas fomos infelizes, pensamos: «o que eu aqui vivi, ainda bem que já passou.» Não há saudade. A inabilitabilidade dos lugares de Pavese tem a ver com a felicidade vivida, lá, nessa época dourada, e que não voltará mais. SE chamarmos por alguém que, outrora, viria logo ao nosso encontro, não haverá eco nem resposta. Apenas um silêncio infinito. SE quisermos captar a mesma luz do sol que entrava por aquela janela, a luminosidade já não é a mesma, os ramos das árvores cresceram, coando essa mesma luz de forma diferente. Também creio que já não conseguiria habitar os OLivais, mudou demasiado, as coisas mudaram demasiado, a habitabilidade transformou-se em saudade...«o lugar onde fomos felizes» é o lugar em que vivemos, que HABITÁMOS, com tudo o que lhe é inerente, lhe foi inerente e já não é. É por isso que é duro voltar a esses lugares, porque o espírito que os animava se desvanesceu. É por isso que se tornaram inabitáveis; porque, no fundo, já não existem. São apenas um reflexo presente de um pretérito, talvez imperfeito, mas que, para nós, a ceta altura, representou a perfeição. Nada nasce, nada morre e tudo se transforma. A minha antiga casa já não é a minha casa antiga, é, hoje em dia, um outro aspecto do que foi a minha casa antiga. É por isso que é inabitável. Jamais lá voltarei. A esse tempo, a esse espaço, a essa habitabilidade.

JPF disse...

Muito bem Maria.
Como gosto de ler...
Escreve mais. É muito bom ler-te. Inspiras tranquilidade e sabedoria!

maria correia disse...

Obrigada, Rua 2...

Luis Pavese disse...

Pavese foi Feliz sim! Ainda que saibamos que felicidade é um estado momentâneo...,existem momentos que não estamos felizes..., mais sabemos que a Felicidade existe...! Abraços a todos!

Nuno Costa disse...

Não sou dos Olivais nem tenho qualquer relação com esse lugar.
"Aterrei" aqui um pouco acidentalmente, porque já conhecia esta expressão de Cesare Pavese, mas não me lembrava do autor e vim à procura.
Ainda que tenha gostado da interpretação da Maria Correia, julgo que, talvez, a ideia de Pavese fosse um pouco diferente quando escreveu ou disse aquela frase.
Quando somos muito felizes num determinado lugar e um dia, por qualquer razão, nos vemos forçados a partir, é normal que vivamos com saudade e nostalgia por esse lugar, especialmente se não formos tão felizes no novo lugar. E muito naturalmente, até ansiamos por, um dia, voltar ao lugar de origem com a ilusão de recuperar a felicidade perdida. E um dia até conseguimos concretizar o desejo de voltar para lá...E provavelmente, apanhamos um grande desapontamento, porque voltámos a um lugar onde fomos felizes, mas não conseguimos recuperar essa felicidade!
A vida não é um círculo fechado. É, talvez, uma espiral: podemos passar duas vezes no mesmo sítio, mas nunca vivemos a experiência da mesma maneira. Há coisas que aconteceram na primeira passagem e que nos "agarraram" a ela que, provavelmente, não vão acontecer na segunda passagem.
O lugar até pode estar exactamente na mesma! A experiência, a forma como o vivemos é que não!
Talvez daí, a inabitabilidade de um lugar onde fomos felizes!