terça-feira, 4 de março de 2008



À Escola vieram-lhe a chamar Eça de Queirós mas nós, que em Janeiro de 1977 a inaugurámos no meio do lamaçal - data tardia para o início de ano lectivo até nesses tempos revolucionários -, ficámos na trincheira dos Viveiros. Há tempos o já saudoso João Belo lembrou o lendário stôr Roxo, anos a fio presidente do conselho directivo. E então tentei lembrar o plantel dos professores de liceu que por lá tive. Sinal claro da balbúrdia desses tempos, a grande maioria varreu-se-me da memória. Se me recordo dos professores do "ciclo", passado no recato do Valsassina, os anos escolares seguintes estão na bruma. Lembro algumas personagens mas por questões acidentais - uma professora de matemática do 7º porque vizinha, uma de biologia do 9º porque lindíssima, um de português de um ano esquecido porque jovem barbudo e de cerrado sotaque do Porto - ainda assim um gajo porreiro -, quatro ou cinco personagens já meio confundidas porque vítimas privilegiadas das "malvadezas" daquele então. Sem ironia, um tipo olha para trás e vê que se divertiu (como não? se com aquela idade ...) mas por ali passou como por outro sítio qualquer teria passado.

Em seis anos de "ensino secundário" ficou-me o registo de três professores. Desse quase vazio a culpa, se é que isso existe (e um gajo quando passou pela profissão atira menos pedras), não seria de cada um deles mas acima de tudo daquela balbúrdia radical, do desarranjo de tudo aquilo. E também da parvoíce dos infantes, minha e não só, num estado pré-selvagem (como viria a criar o sô Rafael da mercearia ao Pinto, passados alguns anos). Lembro dois excelentes professores de História no 10º e no 11º - um era Aníbal Esteves, ali vizinho, vivendo num prédio que era moradia de uma Vespa Gorda. Do outro esqueci o nome (aqui mea culpa).

Mas ainda assim no meio daqueles Viveiros ainda deu para cruzar o professor que me foi o mais importante na vida. Um puto (teria para aí uns 21 anos) ainda estudante e que ensinava Filosofia. Brilhante, genial nas aulas. A ensinar o pessoal (era aquilo do Belo e dos pré-socráticos e outros gregos assim), a apaixonar as meninas claro, que as colegas andavam suspirosas pelos corredores, e a vir cá para fora ensinar-nos fintas de pés, enganando os candeeiros ali ao café Vitor (para não ser à porta da escola). Depois pôs-nos a dar aulas, "como na Universidade" aliciava ele e nisso não mentia - lá fui com o Miguel A. (Policlínica), com o Pedro P. (ao Tosta) e com o Fac. (Catió) dar uma aula sobre uns helénicos - uma catástrofe que ele aplaudiu. Depois pôs-me a dar uma aula sobre Heraclito, sozinho, preparei-me por aqui - tinha quinze anos! Correu-me bem, acho, acharam. Tínhamos todos aquela idade! Passado algum tempo conversávamos no pátio e ele, até surpreso depois dos testes, "estranho, vocês perceberam melhor o Parménides do que o Heraclito, costuma ser o contrário". "Pois, fui eu que dei a aula do Heraclito", disse até acabrunhado. "Nada disso, v. foi excelente" e eu, puto estúpido, logo a (re)inchar-me. Mas destas ingenuidades todas, até dele, um gajo só percebe quando vai para mais velho. Ao aproximar-se o fim do ano veio avisar, "ninguém chumba comigo" pois "vocês não têm idade para abstrair, só a partir dos dezasseis anos e mesmo assim ..." - platónico, estava-se mesmo a ver, ainda que ele também não tivesse os trinta anos recomendados. E o pessoal ainda assim, ou talvez por isso mesmo, a ir-se aos estudos - não muito, que não era recomendado perder a face de balda, claro. Depois desapareceu.

Dez anos depois, estava eu já doutorzito em entre-tropas, vi anunciada uma conferência do Prof. Nuno Nabais no Goethe. Lá fui eu, a ver o que lhe tinha acontecido. Lembro que entrei e assisti, era qualquer coisa como a presença de Kant em Nietzsche ou similar. Não percebi rigorosamente nada, para além das saudações. E nisso foi tamanha a angústia que me escapuli, a fazer-me esquecido do "dá-me licença ... V. foi meu professor em miudo" que talvez me tivesse levado até ali.

(ok, o post está longo, chato e isso, virá dizer o maitre Fulacunda. Mas apeteceu-me assim. Aguenta-te)

16 comentários:

benguela disse...

pois... eu andei no Victor e até no Gordo... mas na Eça de Queirós e Viveiros... nunca lá meti os pés...


(esta coisa das (...) li no Céline e nunca nmais me separei delas... )

bolama disse...

se o fulacunda te apanha a falar de céline no olivesaria dá-te uma reprimenda ...

E entre o victor e gordo nunca foste ao sôr alvaro?, ali à porta dos viveiros, flippers e isso?

benguela disse...

A taberna do xôr alvaro... sim, também... pipas e bilhas à porta...

bolama disse...

bilhas, sim, bilhas à porta

Rua Cidade de Inhambane disse...

Nuno Nabais, professor de filosofia é agora administrador da Fabrica Braço de Prata

bolama disse...

Administrador de uma fábrica??? bolas, por essa não esperava. Mesmo - as voltas que o mundo dá? (mas sempre é um regresso aos olivais)

Rua Cidade de Inhambane disse...

Fábrica Braço de Prata é um edificio ligado à cultura
http://www.bracodeprata.org/

benguela disse...

(Ouvi dizer que dia 15 há lá festa grossa... e o gajo administrador!!! é masé um okupa!)

benguela disse...

... enquanto isto (http://www.renzopiano.com/) estiver embargado...

Fulacunda disse...

Proponho que este 'singelo' texto seja entregue em mão ao nosso anfitrião da festa do dia 15. Pois, digo eu, é a glória isto de um homem 30 anos depois receber tão dedicado testemunho de um seu aluno de então (e não sendo nessas específicas matérias um pupilo 'qualquer', acrescento eu).

Mais proponho que seja ao Bengas entregue a nobre missão de lhe fazer chegar a elogiosa verve do bolama, assim de texto em riste, que o ex-jovem-professor-de-barbas-ao-vento hoje empresário-homem-de-uma-fábrica (de laser) haverá de se comover... e de forma justa, tenho a certeza

Anónimo disse...

é pá, antecipei-me. emocionei-me antes do texto chegar aos comments e mandei-lhe logo um email a avisá-lo desta postadura. Mas tu Bengas, imprimes, e fazes a coisa oficial. Tens porte para isso!

(e ele não é administrador da Fábrica Braço de Prata, credo! é o proprietário de uma simpática livraria de livros de filosofia e teatro, a Eterno Retorno, antes sita da Rua de São Boaventura e depois, que se associou com José Pinho, da Livraria Ler Devagar, com poiso primeiro na Galeria Zé dos Bois e depois nesse fascinante projecto que é a Fábrica Braço de Prata.)

João Belo

A indecisa disse...

Então é um dos administradores, pelo menos pareceu-me que me disse nesta sexta passada qdo falei com ele para propor determinado evento, até tinha uma espécie de agenda para tal. Mas posso estar enganada!!!

bolama disse...

porra, isto é uma aldeola - a fábrica afinal é da cultura, afinal frequentam a casa, afinal voc~es conhecem o homem. Fica tudo isto a cheirar a mariquice. Vou ali e já venho

pelo menos deu para saber que o João Belo ainda é de cá, dos Olivais

bolama disse...

ao menos, se o homem é administrador (braço de prata não é no cabo ruivo?) que ofereça uma rodada (ao benguela no mínimo)

Beira disse...

esse Nabais nunca vai chegar a primeiro-ministro, que por cá há outros filósofos... de pacotilha!

Marques disse...

Olá. Também eu sou um puto dos Viveiros. Família da Rua Cidade de Benguela. Hoje um advogado de 53 anos, curioso e maravilhado por aqui ter vindo parar sem querer e acabar por ler tão sincero e desprendido texto. Mas mais do que tudo, arrepiei-me ao ler que iam ao café "Vítor", é que.... o Vítor ainda hoje é vivo, graças a Deus, tem 78 anos e... é o meu pai... Bem hajam por tão doces memórias. P.S. Também eu não me lembro do nome dos professores, foram tempos conturbados e o ensino era uma receita que os próprios professores andavam a aprender.