De cada vez que vou a casa da minha mãe divirto-me com a pequena floresta que o meu irmão construiu na nossa varanda. Plantas que trouxe de todos os lados, pedras disto e daquilo, lembranças de lugares. É lá o lugar do café, do cigarro, do pequeno ritual de instalação no dia novo. A minha mãe também gosta muito de lá se sentar e de saborear um fim de tarde. Sempre tivémos uma relação muito especial com a varanda. Os meus pais conseguiram resistir à grande tentação de fechar as varandas que começou a sacudir Lisboa a partir de certa altura. Ou então encontraram grande resistência familiar nessa operação. Tinhamos vindo de Mafra, do campo, do espaço amplo. O mais que os costumes domésticos permitiram foi o fecho da varanda traseira do quarto dos meus pais, e mesmo aí com o argumento de que o meu pai não fumaria tanto pela casa fora se pudesse limitar-se ao seu pequeno "escritório". Muitas vezes ao deambular pelos corredores da casa perco-me nos meus próprios labirintos interiores. Ali naquela varanda recupero um pouco da minha identidade. É quase como se eu me reconhecesse ali, fazendo parte dos meus, pelo apego que todos em comum partilhamos pelo espaço de fora, pela aragem fria, pelo ar mais alegre. Seria mesmo capaz de jurar que ali, diante daquela luz tépida falamos melhor, conversamos melhor, saboreamos melhor essa ideia de que uma família é mais do que um lugar de onde se vem, um sitio para onde se vai.
sábado, 27 de setembro de 2008
sexta-feira, 26 de setembro de 2008
Uma fileira de prédios, uma rua, escadas onde se emparelham crianças. Um estádio com relvado de cimento, tardes poeirentas, joelhos esfolados, heróis e ciganos que roubam bolas. O bairro a ficar mais comprido e novas escadas, mais gente. Corridas e calores tensos de fim de tarde. Já bandos de miúdos, já se escolhem amizades. Sobem risos e berros cortando o zumbido das horas que passam sem nada fazer. Motas, namoradas, façanhas e regressos gloriosos. Mortes. A vida a crescer, a fazer-se valer. Coisas que se contam em conversas preguiçosas pelo fim das noites entre cigarros, ganzas e grandes amizades. Desfiam-se licenciaturas, artes e outros jeitos que cada um inventa a fazer o seu futuro. Partem dali muitas estradas e os fins de tarde são agora mais distraídos. Já só por acaso as escadas os juntam, barbudos, até carecas, quase sempre de passagem. A cidade de fora cresce, engole-os, uns não voltam, nem tão-pouco se despedem – de quem afinal? outros mais tarde retornam sem avisar. A vida esticou-se e partiu-se em muitos pedaços diferentes e os miúdos, crescidos, ficaram distantes. Visitas de fins-de-semana, bicas, histórias e reencontros rápidos, quase só acenos.
Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.
Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.
domingo ..... 15 horas
terça-feira, 23 de setembro de 2008
entre amigos
"Belo é - calar em comum,
Inda mais belo - rir em comum, -
Sob o lençol de seda do céu,
Debruçado para o musgo ou para um livro,
rir alto com os amigos
e mostrar uns aos outros dentes alvos.
nietzsche
Inda mais belo - rir em comum, -
Sob o lençol de seda do céu,
Debruçado para o musgo ou para um livro,
rir alto com os amigos
e mostrar uns aos outros dentes alvos.
nietzsche
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quem não sabe escrever manda... de bonecos
sábado, 13 de setembro de 2008
sexta-feira, 12 de setembro de 2008
em tardes assim ...
... de coisas que saltam para o colo, com cheiro do passado, vestidas de praia e seus bandos de adolescência, de namoros envergonhados e espreitares em biquinis, de mesas abarrotadas de imperiais e bolsos vazios de dinheiro para mais, de motos que dançam por entre carros num grito pela liberdade de um asfalto inconsciente, de balizas de pedras, de lindas raparigas, de muros pejados de vagar em esperas por nada de especial, que não fosse o próximo amigo, a cara seguinte de um mundo secreto e só nosso, em tardes assim que me levam à rua e sua magia de universo sem igual, o nosso, o dos olivais, de tantos olivais, diferentes como só uma familia pode suportar e entender .. é em tardes assim que me faz sentido o ' preto e branco ' das quadradas fotografias da kodak que um dia desgraçadamente perdi ... Por isso, talvez por isso ...
... hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.
... hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.
quinta-feira, 11 de setembro de 2008
quarta-feira, 10 de setembro de 2008
Olhar de novo.
Na minha rua, lá pela província, tudo era novo, como aqui, nos Olivais. Misturavam-se os campos, as quintinhas, os velhos solares, as ruas largas, muitas ainda por calcetar, existíamos logo depois dos bairros sociais, ali ao lado das moradias, ao lado do Liceu, ao lado do Colégio. E tudo isto, logo depois do burgo, do casco medieval, cinco minutos a pé quase em linha recta, passando pela mercearia do Sr. Pinto, do cinema S. Mamede e do café Óscar.
Na minha rua havia moradias, umas geminadas, outras não, um prédio de três andares com oito apartamentos, uma escola primária nova e uma casa rural onde vivia a velha leiteira que, todas as manhãs, distribuía o leite ainda morno e espesso que tanto me enjoava e que, pela tarde, soltava as vacas no pasto que se seguia ao fundo do meu quintal.
Nos jardins que por lá cresciam, havia cedros, azáleas, salva, roseiras e cravinas, mas também lá chegavam, com as brisas mornas da Primavera e do Verão, ou com os ventos e vendavais das outras estações, os cheiros da terra e do estrume, das matas e dos soutos, das vides e das fogueiras.
Na minha rua, havia mais rapazes do que raparigas, mais bicicletas do que bonecas. Um dos rapazes tinha um carro de pedais de lata vermelha (que sempre invejei por ser demasiado grande para nele andar) e a quase inexistência de outro tráfego, que não o das pachorrentas vacas a caminho do pasto, transformava-a em campos de bola e badmington, terreiro de duelos ou mares revoltos onde temerárias embarcações e arrojados piratas travavam a grande batalha naval. Era também onde se mostravam os canivetes, as caricas, as colecções de insectos ou de cromos, onde se trocavam risos de troça, berlindes, pequenos segredos. E, mais tarde, os discos de vinil, as cassetes, os bilhetes para os rapazes, os olhares, os assobios para as raparigas.
A minha rua era, afinal, como a vossa. Ao escrevê-lo aqui sei onde nos reconhecemos e o que nos distancia.
Este outro lugar que é o Olivesaria, mais não será do que uma das ruas onde nos vamos cruzando ao sabor e ritmo das vidas de cada um, nuns dias com o coração escancarado, noutros com o jeito do rufia, noutros ainda assim como se não passássemos, a fingir que estamos noutro lado.
Hoje, venho em jeito de desafio, hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.
Na minha rua, lá pela província, tudo era novo, como aqui, nos Olivais. Misturavam-se os campos, as quintinhas, os velhos solares, as ruas largas, muitas ainda por calcetar, existíamos logo depois dos bairros sociais, ali ao lado das moradias, ao lado do Liceu, ao lado do Colégio. E tudo isto, logo depois do burgo, do casco medieval, cinco minutos a pé quase em linha recta, passando pela mercearia do Sr. Pinto, do cinema S. Mamede e do café Óscar.
Na minha rua havia moradias, umas geminadas, outras não, um prédio de três andares com oito apartamentos, uma escola primária nova e uma casa rural onde vivia a velha leiteira que, todas as manhãs, distribuía o leite ainda morno e espesso que tanto me enjoava e que, pela tarde, soltava as vacas no pasto que se seguia ao fundo do meu quintal.
Nos jardins que por lá cresciam, havia cedros, azáleas, salva, roseiras e cravinas, mas também lá chegavam, com as brisas mornas da Primavera e do Verão, ou com os ventos e vendavais das outras estações, os cheiros da terra e do estrume, das matas e dos soutos, das vides e das fogueiras.
Na minha rua, havia mais rapazes do que raparigas, mais bicicletas do que bonecas. Um dos rapazes tinha um carro de pedais de lata vermelha (que sempre invejei por ser demasiado grande para nele andar) e a quase inexistência de outro tráfego, que não o das pachorrentas vacas a caminho do pasto, transformava-a em campos de bola e badmington, terreiro de duelos ou mares revoltos onde temerárias embarcações e arrojados piratas travavam a grande batalha naval. Era também onde se mostravam os canivetes, as caricas, as colecções de insectos ou de cromos, onde se trocavam risos de troça, berlindes, pequenos segredos. E, mais tarde, os discos de vinil, as cassetes, os bilhetes para os rapazes, os olhares, os assobios para as raparigas.
A minha rua era, afinal, como a vossa. Ao escrevê-lo aqui sei onde nos reconhecemos e o que nos distancia.
Este outro lugar que é o Olivesaria, mais não será do que uma das ruas onde nos vamos cruzando ao sabor e ritmo das vidas de cada um, nuns dias com o coração escancarado, noutros com o jeito do rufia, noutros ainda assim como se não passássemos, a fingir que estamos noutro lado.
Hoje, venho em jeito de desafio, hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.
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Saravah amigos
terça-feira, 9 de setembro de 2008
a quem possa interessar!
Olhar de novo
Não devia vir assim com tão pouca inspiração e tão tarde. Mas é sempre tarde. Ou será sempre tarde, a adivinhar pelo tempo que vai e vem sem nenhum texto para animar a blogosfera do olival. Por isso, sigo em frente. Alguma ideia, tal como se fosse uma bolota, há-de cair no caminho para me ajudar a levar a conversa por diante. É um pouco a custo que venho aqui. Tal como naquele fim de férias dúbio em que já não era férias mas em que meio mundo ainda não tinha chegado à rua, era penoso vir até aos bancos, sentarmo-nos à espera que chegasse alguém, e começarmos a fazer rodar a girândola da troca de palavras. Depois haveria de vir um, outro, e lá ficávamos três a queixarmo-nos da malta que nunca mais vem, da seca que é agora. Não me apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo. E se calhar até ponho foto. É isso, talvez ela me inspire. Já venho.
Nada. Não me inspirou nada. Esta pintura que deixámos ficar nos muros de Carvalhais, em S. Pedro do Sul, no Andanças, não me fez surgir nada. Um vazio macio, mas vazio. E agora tenho sono. Mais sono ainda. Espero que ela vos inspire. Amanhã a ver se volto cá mais cedo. Ou com menos sono. Ou com algo para dizer. É difícil. Ando mais para o lado do ouvir. Nas férias acontece-me sempre isto. Fico mais para o lado do ouvir. Os sons dos lugares. Os sons das pessoas. O que elas dizem. O barulho dos passos no chão. Não sei do que é mas sou assim, nos tempos de verão. Sabe-me bem a vida que me entra pelo lado do ouvido. Parece-me música. Se calhar é porque vou a sítios que me quebram a rotina. Não estou à espera e de repente há um sino a ecoar no vale. Ou os reclamistas de Teresina, apregoando tudo, picolé, candidatos, celulares, suco de caju. Vim com vontade de ir de novo. Não sei se vos acontece o mesmo. Ando ainda alguns dias no fim de férias a percorrer as ruas da minha cidade como se fossem ruas de uma cidade estranha. Os seus sons novos, inesperados. E mesmo aos meus vizinhos, aos meus amigos, ou aos colegas de todos os dias, hei-de surpreender com um olhar pausado, demorado, como se os estivesse a olhar pela primeira vez e a pensar de mim para mim o quão estranhos são.
sexta-feira, 5 de setembro de 2008
por um acaso inexplicável, esta apreciação vulgar resulta justa
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