Olhar de novo.
Na minha rua, lá pela província, tudo era novo, como aqui, nos Olivais. Misturavam-se os campos, as quintinhas, os velhos solares, as ruas largas, muitas ainda por calcetar, existíamos logo depois dos bairros sociais, ali ao lado das moradias, ao lado do Liceu, ao lado do Colégio. E tudo isto, logo depois do burgo, do casco medieval, cinco minutos a pé quase em linha recta, passando pela mercearia do Sr. Pinto, do cinema S. Mamede e do café Óscar.
Na minha rua havia moradias, umas geminadas, outras não, um prédio de três andares com oito apartamentos, uma escola primária nova e uma casa rural onde vivia a velha leiteira que, todas as manhãs, distribuía o leite ainda morno e espesso que tanto me enjoava e que, pela tarde, soltava as vacas no pasto que se seguia ao fundo do meu quintal.
Nos jardins que por lá cresciam, havia cedros, azáleas, salva, roseiras e cravinas, mas também lá chegavam, com as brisas mornas da Primavera e do Verão, ou com os ventos e vendavais das outras estações, os cheiros da terra e do estrume, das matas e dos soutos, das vides e das fogueiras.
Na minha rua, havia mais rapazes do que raparigas, mais bicicletas do que bonecas. Um dos rapazes tinha um carro de pedais de lata vermelha (que sempre invejei por ser demasiado grande para nele andar) e a quase inexistência de outro tráfego, que não o das pachorrentas vacas a caminho do pasto, transformava-a em campos de bola e badmington, terreiro de duelos ou mares revoltos onde temerárias embarcações e arrojados piratas travavam a grande batalha naval. Era também onde se mostravam os canivetes, as caricas, as colecções de insectos ou de cromos, onde se trocavam risos de troça, berlindes, pequenos segredos. E, mais tarde, os discos de vinil, as cassetes, os bilhetes para os rapazes, os olhares, os assobios para as raparigas.
A minha rua era, afinal, como a vossa. Ao escrevê-lo aqui sei onde nos reconhecemos e o que nos distancia.
Este outro lugar que é o Olivesaria, mais não será do que uma das ruas onde nos vamos cruzando ao sabor e ritmo das vidas de cada um, nuns dias com o coração escancarado, noutros com o jeito do rufia, noutros ainda assim como se não passássemos, a fingir que estamos noutro lado.
Hoje, venho em jeito de desafio, hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.
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7 comentários:
Oh rapariga, com essa descrição, essa similitude no lugar mas sobretudo na forma de ver o lugar, deixaste para mim de ser azeitona por adopção de longa data. escolhe uma rua!
Ena pá, parece que Bolama está disponível!
Só agora reparei! Então porquê?
Tambem gosto da tua rua. E como diz o Beira, isto ha fases e esta tudo a chegar de ferias?
Quanto ao Bolama, deve ser o costume - quer luta.
obrigada pela honra, Fulacunda. e, Chaimite, Bolama seria a única hipótese com sentido. porém, é um nome que, para mim, está indelevelmente tomado pelo nosso caríssimo Bolama, outra cara não serei capaz de lhe associar.
Fulacunda, Timor, Bolama, Benguela... então não vem ninguém à liça?
É isso mesmo, o nome Bolama terá sempre dono, mesmo quando o Bolama ande por outras bandas!!
(este Chaimite deve querer desestabilizar o pessoal!)
Corroboro as palavras Fulacundistas...
... escolhe lá nome de rua tua Rapariga !!
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