sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Uma fileira de prédios, uma rua, escadas onde se emparelham crianças. Um estádio com relvado de cimento, tardes poeirentas, joelhos esfolados, heróis e ciganos que roubam bolas. O bairro a ficar mais comprido e novas escadas, mais gente. Corridas e calores tensos de fim de tarde. Já bandos de miúdos, já se escolhem amizades. Sobem risos e berros cortando o zumbido das horas que passam sem nada fazer. Motas, namoradas, façanhas e regressos gloriosos. Mortes. A vida a crescer, a fazer-se valer. Coisas que se contam em conversas preguiçosas pelo fim das noites entre cigarros, ganzas e grandes amizades. Desfiam-se licenciaturas, artes e outros jeitos que cada um inventa a fazer o seu futuro. Partem dali muitas estradas e os fins de tarde são agora mais distraídos. Já só por acaso as escadas os juntam, barbudos, até carecas, quase sempre de passagem. A cidade de fora cresce, engole-os, uns não voltam, nem tão-pouco se despedem – de quem afinal? outros mais tarde retornam sem avisar. A vida esticou-se e partiu-se em muitos pedaços diferentes e os miúdos, crescidos, ficaram distantes. Visitas de fins-de-semana, bicas, histórias e reencontros rápidos, quase só acenos.

Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.

5 comentários:

Anónimo disse...

Olivais, ontem e hoje.....

xai xai disse...

Nós...
em 250 palavras certeiras.
Excelente!

cláudia santos silva disse...

que seja um regresso no tempo de uma bica, de um comentário, que seja um jantar ou um fim-de-semana, um post, uma nova vida.
quanto à tua nostálgica interrogação, ai Fulancunda, não teremos resposta outra que não senti-la envelhecer dentro de nós.

(ainda bem que estás por aqui)

Beira disse...

os bairros também envelhecem

mas para sempre na nossa memória ficarão esses tempos vividos nas ruas dessa enorme aldeia

Timor disse...

Fiquei a pensar com essa do semaforo. Durante as muitas noites quentes de Verao - em que ficavamos na rua ate altas horas por estar demasiado calor, por as aulas terem acabado, por termos e nao termos nada para fazer, por espirito de bando e por nao haver semafaros - falavamos, conversavamos, disparatavamos, as vezes ficavamos a espera de um acidente (tinhamos de facto muito tempo) e comentavamos prazenteiros e com satisfacao futiristica que um dia ate semafaros haveria na nossa rua. Ainda la nao estao, mas estao um pouco mais a frente, depois do Draivimpe.

E de facto voltamos sempre. Estive la no fim de semana passado, vi a Lucinderela (de quem deixamos de ter medo para ai aos 10 anos) e o Sr. Carlos que foi em tempos um dos pimentas que nos afugentava. La ficamos na conversa.