terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A propósito do Urié (Arié, Sr Arié ou Bigó) , deixo uma fala de um texto dramático que evocava este personagem (e também o Ai-Ai). A peça na sua totalidade nunca foi levada à cena mas uma parte, "Urié e Rouxinol, uma história de amor", foi representada, por mim e pela Rosário Figueiral, com encenação de Jorge António (e participação ao vivo do saxofonista João Cabrita) no salão da Igreja Nova dos Olivais. Deixo-o com um desafio aos ases do pincel que por aqui andam: uma ilustração com um dos nossos mais célebres personagens, não vinha mesmo a calhar? Ou sobre o Ai-Ai?

3ª Cena
Urié parte o seu “carro” *



(Urié entra com a árvore. Acelera. Deixa o motor ir abaixo. Empurra a árvore)


Urié A-ora é q' é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Esta-ermo! Por ausa de i eixei o vum-vum i abacho! Nã osso alar e con-uzir ao memo empo! Hã!Hã! Ensas o ê?! O mo-mo -or é a-ui ( bateu com a palma da mão na garganta). É a-ui! A-ora empu- a co-igo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Vum-Vum! A-da! ‘Alta cá a entro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) E-a! E-a! E-a! T-agou-se! Tá t-agado! Abes uanto ustou u-a áquina estas! Sto é u-a á-vo-e! Se ou a-ancar ais á-vo-es ó ale ou p-eso! Ou p-eso! O uarda á m' a-isou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O eu ca-o! (virou-se para Rouxinol) Ão abe o é um ca-o! Isica sê oisa gande! (Atirou o pau fora) Ma-ia da g-andeza! Ma-ia da g-andeza! Ma-ia de oisa g-ande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Ó á! O á! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem ca-ô ! Tem ca-ô e o-ta ba-agens! Ganda ca-o! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) G-anda omba! G-anda omba! A-ece memo um ca-o a sé-io! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote simulando faróis) Té dá pá á-dá á oite! (Olhou para Rouxinol) Éres ár uma ólta! U-a g-anda ólta? (Rouxinol concorda e vai a entrar no carro) E-ra!E-ra! Nã ode er a-im! Em he er omo o inema! (Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) E-u-ra-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) À êm! É o eiro de er ovo! Ab-e a ca-ota!

(Deambulam pelo espaço. A luz dirige-se à casa na árvore, ao piso superior)

3ª cena (tradução)
Urié
Agora é que é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Estafermo! Por tua causa deixei brum-brum ir abaixo! Não posso falar e conduzir ao memo tempo! Hã! Hã! Pensas o quê?! O motor é aqui ( bateu com a palma da mão na garganta). É aqui! Agora empurra comigo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Brum-Brum! Anda! Salta cá para dentro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) Ena! Ena! Ena! Estragou-se! Está estragado! Sabes quanto custou uma máquina destas! Isto é uma árvore! Se vou arrancar mais árvores ao Vale vou preso! Vou preso! O guarda já me avisou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O meu carro! (virou-se para Rouxinol) Não sabe o que é um carro! Precisa ser coisa grande! (Atirou o pau fora) Mania da grandeza! Mania da grandeza! Mania de coisa grande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Olá! Olá! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem capô ! Tem capô e porta bagagens! Grande carro! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) Grande bomba! Grande bomba! Parece mesmo um carro a sério! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote (que está deitado, portanto a parte inferior) simulando faróis) Até dá para andar à noite! (Olhou para Rouxinol) Queres dar uma volta! Uma grande volta? (Rouxinol disse que sim e vai a entrar no carro) Entra! Entra! Não pode ser assim! Tem que ser como no cinema!(Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) Segura-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) Está bem! É o cheiro de ser novo! Abre a capota!

* Excerto da peça "É para os putos que não querem comer a sopa".

7 comentários:

maria correia disse...

Ai, e eu aqui com uma tradução para ontem...já volto...para ler este texto e olhar para os lindos berlindes/guelas...

maria correia disse...

Belíssimo texto! Cheio de vida...que pena não ter visto isto encenado. E a peça nunca subiu ao palco completa por que razão? E que foi feito do BigÓ? Creio que há vinte anos, quando saí dos OLivais, ainda ele por lá andava...e o Ai-ai? Que é feito? E, já agora, que foi feito daquele senhor que nadava sempre a pedir «um cigarrinho»? Dizia-se que ele tinha endoidecido de tanto estudar, Direito ou que era... andava sempre pela zona do T´e da quinta pedagógica, rua acima, rua abixo, sempre a mexer nos cabelos, naquele trejeito trágico dos loucos...ou seria ele o Ai-Ai? davamos-lhe sempre o tal cigarrinho...e, agora, vou fumar um cigarro de saudade, em honra destes personagens. E Parabéns ao autor do texto que, creio foi o João Belo...

Anónimo disse...

O Luis... um cigarrinho e uma bica. Morreu. Consta que queimado numa brincadeira estúpida de uns “putos quaisquer”… ele na altura andava com o juízo mais baralhado do que o costume, apanhava papeis e enchia a roupa com eles… uns putos pegaram-lhe fogo e morreu.
Foi a história contada na altura no mete-nojo, onde ele ia todos os dias…

xai xai disse...

a Maria Correia tem muita razão. Essa coisa de estudar, impõe-nos os "trejeitos trágicos dos loucos".
Foi por isso que passei a andar com o cabelo rapado e só tirei a 4ª classe para me inscrever na escola de condução...

maria correia disse...

O Luís...li agora a resposta de Xai-Xai e vieram-me as lágrimas aos olhos. Não sabia que tinha morrido, e dessa forma atroz, por uma «brincadeira» cruel. É ao ouvir histórias destas que cada vez gosto mais dos cães e menos dos homens. Pobre Luís, tinha um ar tão educado...e devia ter sido bonito, antes de ter estudado, antes de se ter perdido.Tinha algo de distinto, no meio daquela doideira do puxa os cabelos para trás e «dá-me um cigarrinho»...não fazia mal a ninguém, andava por ali, rua acima, rua abaixo, passava pelo Cheira-mal, sim, lembro-me de o ver lá. Que p---de vida, desculpem.

maria correia disse...

desculpe-me,Benguela, não foi Xai-Xai que nos falou do Luís...que posso dizer? Obrigada pela triste notícia? Benguela frisou o mal do estudo, que nos faz ficar com aqueles trejeitos...pois..talvez seja a velha história de ir comer o fruto da árvore do Bem e do Mal...por vezes, mais vale não comer o fruto. O preço a pagar é tremedno. E mata também.

Anónimo disse...

how can you write a so cool blog,i am watting your new post in the future!