sábado, 6 de outubro de 2007

O M.I.A.P.

Não sei como cresceu aquele ódio genuíno contra as porteiras, principalmente a do 88, que nunca nos deixava jogar à bola no pátio interior que unia o 88 e o 89. Se hoje me contassem eu não acreditaria que grande parte da nossa energia era empregue a fugir da vassoura daquela figura pequenina mas determinada que nem nos dias de chuva nos deixava jogar nas arcadas dos prédios. Certo e sabido, a embirração leva à embirração e nós começámos a fazer algumas represálias à personagem cujo nome, tenho de reconhecer com pena, esqueci: raides de bicicleta ou corridas ao pé das galinhas da porteira, vozeares de cacarejar sempre que passámos pela sua janela, brincadeiras parvas com a sua filha, a imaginação não se detinha. É claro que havia sempre uma porteira boa e uma porteira má. A do 89 era boazinha. Também já não me lembro do nome dela, o que me faz pensar que não é nem pela bondade nem pela maldade que as pessoas se ficam na nossa memória. Por exemplo, lembro-me da nossa porteira, a boa da D. Josefina, com os seus dois filhos, a São e o Carlinhos, dois miúdos que muito sofreram porque naquele tempo não estávamos ainda preparados para aceitar que os filhos das porteiras podiam ser ou nossos amigos ou gente como nós. Houve no entanto uma altura em que esta embirração cresceu e em que, de repente, deixámos de ter porteiras boas. A porteira do 88 tinha conseguido fazer com que tudo à sua volta respirasse aquela maldade que lhe consumia as entranhas. Estávamos nos idos de 75 e não nos ficámos. Aderimos à luta armada e criámos o MIAP, o movimento independente anti-porteiras que até há pouco tempo estava assinalado, a risco de canivete, na entrada do número 6, antigo 87. As acções mais comuns eram a sabotagem do carro do marido da porteira do 88 e do 87, com batatas. Mas chegou a realizar ataques ad hominem ao porteiro do 87, lançados, numa acção concertada entre o 6 Esq do 88 e o nosso, o 5 Dt, com tomates maduros, e até, prenúncio da guerra química, sacos de urina e água. Foi o mais longe que fomos e ainda me lembro da forma como depois saímos da varanda e entrámos em casa com um ar tão beatífico que a minha mãe, já nessa altura muito religiosa, nos confundiu com aqueles anjinhos que tinha espalhados pelas paredes da casa. Este movimento, independentemente da convicção com que surgira, não aguentou mais de dois dias, o que para a época, politicamente, até não era mau palmarés. E não acabou porque nos faltassem as causas, nem as ideias, nem os planos de ataque. Aconteceu que uma tarde a componente civil do MIAP, desejosa daquele protagonismo político que a luta armada nunca daria, fez uma manifestação, diante do 87, gritando a plenos pulmões contra as porteiras e contra o autoritarismo. Nem pais nem porteiras nem patrões, gritámos a uma só voz durante uma boa meia hora, até que, alertado pela algazarra, o pai do Luis Costa, que era militante do PC, desceu cá abaixo e perguntou se achávamos muito digno andarmos a prejudicar uma mulher simples, da classe trabalhadora. Deu-nos uma palestra moralista sobre a revolução, Marx e Lenine e conseguiu que olhássemos para o mais profundo da nossa alma de pequeno burgueses e em uníssono alterássemos a designação e o comportamento politico do MIAP que passou logo ali a ser o Movimento Independente de Apoio às Porteiras. A partir daí a revolução afastou-se do tranquilo curso das nossas vidas. Ainda houve algumas sequelas, durante algum tempo acções como tocar à campainha das porteiras ainda foram feitas de forma avulsa e não concertada e que não afectaram a entrada do MIAP, na sua fase de exaltação operária. Teve logo a seguir um fim triste, entregue sem dúvida a meritórias acções cívicas mas também, chatas, sensaboronas, e passado uma semana, sem nenhuma aventura revolucionária foi extinto, por tédio.

19 comentários:

Anónimo disse...

Dasssssss João Belo ! Mas foda-se mesmo !!!! Li, reli e vou voltar a ler ! Pelas porteiras ?? Não !! Pelo modo como me levaste até lá !!
C'um coiso ... para não dizer c'um car ... !! ( semi private para o Lourenço Marques !! )

xai xai disse...

Bafatá, estás fora! tu eras do pessoal das moradias! (hi! hi! hi!)Como activo membro do MIAP venho confirmar tudo o que aqui foi transcrito e acescentar: o movimento tinha uma bandeira e um símbolo. (lembras-te?) de acordo com as iconografias da época, cruzámos uma pá e uma vassoura (qual foice e martelo das limpezas)colocámos no canto superior esquerdo de uma folha A4 e apresentámos o movimento, reproduzindo as vezes suficientes para colocar em todas as caixas de correio dos três prédios. Já agora para quem possa interessar, a das galinhas (confirmo que as tinha na casa do lixo) chama(va)-se D. Conceição. Como exemplo das nossas actividades que geravam a incompreensível repressão fascista das porteiras, deves-te recordar do dia em que, por se encontrar desocupada o respectivo andar, uma caixa de correio estava apinhada de cartas. Curiosos, decidimos esvaziá-la. Como? Puxando pela ranhura as pontas das cartas que já se avistavam tal era a sua quantidade. Por uma razão que não descortinámos, estavam relutantes em sair, obrigando-nos a aplicar tal força que... toda a estrutura de alumínio das 18 caixas do prédio veio atrás e, desmontada, se estatelou no hall da entrada! Esta última parte, já não foi por nós presenciada porque quando percebemos o que ia acontecer obikuelámos com tal alma que numa jornada olímpica traríamos certamente as primeiras medalhas de ouro para o país.

Marco Oliveira disse...

Lembro-me desta história. A D. Conceição ainda é viva.

Outro assunto: a biblioteca da FP já tem blog.
http://agrupamentofernandopessoa.blogspot.com/

Lourenço Marques? disse...

Fantástico!!!

É cada vez mais rotineira a minha visita diária a este sítio, só porque dá gozo comó camandro... (Bafatá, vez que não é preciso escrever palavrões, do tipo comó caraças?)

Devo conheçer o JBelo e gostava de saber quem é o bom escrivão XaiXai (sem comprometer a sua identidade secreta, bem entendido).

joão belo disse...

Xai-Xai, grande companheiro, já me tinha esquecido da bandeira e do simbolo. E essa das cartas, quando a contaste até parece que ouvi o caixilho a cair. Grande corrida, eheheheh! É pá, tu ainda és pior do que eu, lembras-te de tudo! Abraço

Anónimo disse...

Lourenço ... quando tiveres uma ideia da identidade secreta do xai2 ... diz qualquer coisinha !!

Lobita disse...

essa info é altamente valiosa... tb quero saber. E o Jbelo tb não sei quem é... dicas, dicas, sff!!

Anónimo disse...

lobita: há que fazer o trabalho de casa !!!

Lobita disse...

epá, já consegui desvendar alguns... com um imenso trabalho minuncioso (não meu, de alguns que volta e meia esquecem-se e escrevem com identidades de outros blogs e afins) mas acho que estes dois não chego lá... please, please...

Anónimo disse...

aiiiii... mas quem são esses que se esquecem e assinam com nome de blogueiro mixuruco ??

xai xai disse...

Oh Bafatá, não gosto que chamem mixurucos aos blogues que visito com gosto. Olha que o excesso de modéstia é também uma forma de vaidade, por isso vamos a ela em dose dupla pois tb visito o preterito imperfeito. Imperfeito? Bolas deve ser de família!

Lobita disse...

Até quando falas pouco, falas bem, rapaz Xai2. Deves ser consultor! Ou filho de Professora que seguiu as pegadas da Mãe.. tiro no escuro, claro!

Anónimo disse...

nice try lobita ... mas auguro que o xai não se descosa às primeiras !!

Xaiemduplo: aparece sempre que te der na telha ... no peças e no pretérito! Se faltar o café diz ... que eu mando repor !
E mera curiosidade ... a pessoa não escrevinha também por outro lado ? Sei lá .. para puro deleite de quem por lá tropeçe ??

Lobita disse...

Bafata, não foi com essa intenção, se bem que possa ter parecido, e diga-se que dava algum jeito, confessa que tb gostarias de saber a identidade de tão ilustre conhecedor da lingua de camões... mas ele refunde-se, embora fosse a mim que adjectivaram desta linda maneira.

Essa história de repor o café, é deformação profissional???

xai xai disse...

Já é a 3ª vez que tento responder a este duo. Devo estar a produzir bytes encaroçados que não passam nos cabos e népia de publicação. Cara Sherlock Lobita, ao contrário do que diz o da 2ª cidade da Guiné, (o q convenhamos, não é grd.coisa eh!eh!)e que conheço há mais de 30 anos, o meu livro é aberto. Sou empregado de balcão numa loja em Benfica (pois onde havia de ser) e acumulo a circunstância de ser dono da mesma. Qt.à escrita fico surpreendido com as vossas afirmações. Até à semana passada o máximo que escrevi foi o preenchimento anual dos impressos do IRS e quanto a blogues nunca tinha visitado nenhum.

Lobita disse...

mas a criatividade assalta-te a alma!!!

Benfica... hum... ok, you lost me.
conheço-te?

Anónimo disse...

Ao João Belo, em complemento e com conhecimento de causa, a porteira do 89 de que me lembro era a D. Lídia. Quanto à do 88, foi durante anos apelidada, pela geração mais nova, de Galinha Azul. Os ditos animalejos encarcerados na casa do lixo e a característica bata de trabalho da Sra. Conceição ditaram o nome.

Ass: visitante

Anónimo disse...

Apesar de nunca ter pertencido a qualquer facção do MIAP, também tive as minhas "guerrilhas" com Porteiras, sendo que o cenário seria a jogatana da bola.
Entre idas à esquadra, polícias a roubarem-nos bolas, e nós a correr atrás deles para reavê-las, ouve de tudo.
Até que uma vez fui parar parar a tribunal de menores. Mas com o habitual jogo de cintura de um Olivalense, tudo acabou em bem.

Anónimo disse...

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