Aquelas imagens que o Beira aqui colocou e essencialmente o título, dando-me conta de que afinal o meu percurso de vida me aproximou de uma visão comum sobre o espaço, sobre o lugar, sobre a forma como os habitamos, com pessoas que até aqui só conhecia por fora, deram um novo alento a esta ideia de pertencer a um blogue como a Olivesaria que, por vezes, se assemelha a um grande café virtual que reune os diferentes botecos de venda de tempo livre que se ocuparam das nossas adolescências comuns. E que nos revestiram a todos de um película, uma pele, multiresistente à erosão do esquecimento. Eu não sei de onde me vem esta pulsão para um sentimento comunitário face a estas oliveiras, a este linguarejar olivalense. Nem o sei medir ou qualificar. Só sei que por vezes me atrai, outras me afasta. Mimetizando assim a vivência que tinha com os cafés reais do bairro. Onde na mesma tarde podia ir de uma tremenda seca até a uma enorme aventura. Eram lugares de ócio, de vazio, mas também de febre, de febre azul, amarela, verde, lilás, arco-íris. E naquela altura não lhes havia alternativa. Quer dizer, crescemos assim. Podíamos mudar, chatearmo-nos de outro modo e de outra maneira, combatíamos com uma imaginação e denodo que já não temos hoje a grande instituição que nos acompanhou o crescimento, a seca, o tédio ( e que se limitava as mais das vezes ao tempo em que tinhamos de ir aos consultórios médicos) mas, enquanto adolescentes, estávamos presos a um estádio de desenvolvimento em que a liberdade era uma metáfora, uma utopia, um sonho. Agora já não é assim. Tenho quarenta e cinco anos e a única vez que apanhei uma seca nos últimos anos foi quando estive à espera de uma consulta no Centro de Saúde. E embora faça, com um sorriso nos lábios, muitas coisas que os meus dezoito anos achariam entediantes e insuportáveis, congratulo-me com tudo isso. É a minha vida, a vida que tenho para viver. E não é só isso, claro, já me perdi no que estava a dizer. É aliás por isso que muitas vezes evito cá vir. Sempre que cá venho começo a falar, a falar e depois perco-me. Eu estava a dizer que o post do Beira me relembrou de que há uma zona do pensamento onde eu me reconheço próximo de um sentimento comunitário com o Olival. É o rememoriar, o tal remurmurejar, isso é a seiva, mas há mais qualquer coisa: a ideia de que o trabalhar sobre uma determinada percepção do que foi viver nos Olivais possa ajudar ao próprio ofício de construirmos os lugares, os bairros, as próprias cidades. E de facto a metáfora da grande muralha é perfeita - e poupa-nos tantas palavras- para explicar porque e onde é que se foi longe de mais na ocupação volumétrica das antigas hortas, porque é que se foi longe de mais no negócio especulativo.
A Vespa e a Gestão
Há 2 dias
8 comentários:
cada um escreve com as ferramentas que melhor domina.
mas o texto fazia falta.
e fico por aqui na troca de galhardetes.
;-)
A fotografia do Beira mostra bem quanta sombra há onde dantes havia tanto sol. E aquele espaço vazio era colectivo e agora sinto-me roubada.
Gostei da tua referência ao tédio essencial. E acho que definiste bem a elasticidade deste espaço que a tantos atrai e afasta...
Tenta matar-se o tédio essencial percorrendo corredores intermináveis do centro comercial...mas, no fundo, fica apenas o vazio de não existirem árvores.
bravo ao beira que trouxe as palvras certas que te fizeram escrever aqui, desta forma, joão belo.
grandes posts, rapazes, é em momentos assim que regresso às escadas do nº7 da rua que vocês sabem.
(já descobriram as mensagens subliminares? é que é mesmo nos pormenores que o rapaz continua igual a si próprio... :)
eu naõ quero parecer chato mas na merda das hortas fedorentas o único verdadeiro tronco que existia era o das couves, Quando cheguei à bolama, em 1971, era um baldio de ratos. Com o 25 de abril foi a terra a quem a trabalha e a porteira da timor amais a restante rapaziada fizeram hortas, também com ratos. Os miudos gostaram menos porque já havia sebes, arames e plasticos e, helas, propriedade privada - ai de quem pisasse as hortaliças do sô manel e quejandos - já não se brincava ao clube dos piratas e isso
ser puto foi porreiro, como o é em todas as eras. foi porreiro ser puto ali - a enterrar paragens de autocarro nas hortas alheias, como já aqui foi relembrado. Mas é preciso um hiper-bucolismo para, a seco e sem saudosismos, lembrar com apreço o esterco deixado durante 20 anos nos olivais dado o engasgão do 25 de abril (não é conversa reaça, é mera constatação do virar de agulhas que o bairro sofreu então)
A tralha que lá está é péssima, acima de tudo exagerada. Mas, antes de tudo, é melhor que os ratos, as couves e o barracao do pão de açúcar
Por fim, a culpa é dos autarcas? Não, é de quem os deixa ser autarcas. E, acima de tudo, é dos arquitectos - são, em todo o portugal, colaboracionistas. São, normalmente, uns gajos porreiros, dados às letras e às artes (e isto não é uma boca para aqui para dentro). E fazem o que fazem porque são pressionados pelos empreiteiros, porque se não forem eles serão outros (o próprio Siza o disse a propósito de Alcântara). Em suma, "só cumprem ordens" - que é uma frase histórica
(o abecassis, que era um gajo porreiro e fumava na TV, bem o disse: só fazemos o que os arquitectos desenham. Com a verdade nos dizia a verdade, contrariamente à santa voz do povo)
Boa Bolama, chega-lhes com força.
Claro que esses minifúndios não eram perfeitos. E também traziam o que de pior o homem tem.
Mas o importante era chamar a atenção para a diferença entre o que foi concebido originalmente para aquele espaço e o que acabou, duas décadas depois, por ser construído.
E eram ratos (do campo) ou ratazanas (da cidade)?
No fim quem tomou conta do terreno foram as ratazanas...
ah... claro que não havia árvores que são, como se sabe, dos piores inimigos do agricultor.
Na Catió também existiam hortas mas o que foi construído sempre é mais "aceitável".
Se a memória não me engana também por ali não há muitas árvores.
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