segunda-feira, 31 de março de 2008

O rapaz que mordia...

. . .
Em Março de 1978 estava a descobrir uns Olivais novos, mais negros e fascinantes que os anteriores.

Tinha chegado à primeira divisão da vida escolar depois de ter andado pelas secções de Chelas e Prodac do D.Dinis.

No ano lectivo anterior já estava no D.Dinis mas de tarde. Era assim uma espécie de limbo. Chegava às aulas quando os da manhã estavam a sair e as manhãs para pouco serviam.

No final desse ano lectivo, quando chegou o verão (de 1977) uma mudança fundamental aconteceu.
Os meus amigos tinham ido de férias e eu sózinho sem saber o que fazer.
Não me lembro muito bem como se passou essa mudança mas penso que um dia me cruzei com o A. que ia com os P. e acabei por me ir encontrando todos os dias com eles que sempre tinham estado ali mesmo ao lado e com quem tinha jogado muitas vezes à bola no maracangalha e que tinham seguido a vida por outra encruzilhada.

Depois os outros regressaram de férias e quando chegaram estava eu com estes novos amigos a conversar.
Olharam-me de lado como se nestas coisas das amizades houvesse algum exclusivo. Começaram a combinar saídas e encontros sem me incluir. Um dia fui a casa de um deles, estavam a preparar-se para sair e lá me disseram para os acompanhar. Tinham um novo grupo e bastou-me um quarto de hora para perceber que não fazia parte dele.
Tinha descoberto que os meus amigos dos últimos 3 anos já não eram os meus amigos.

Tinham feito tudo para me sentir desconfortável.
Os novos amigos faziam tudo para me sentir integrado.

Entretanto Setembro foi-se aproximando do fim.
Todos os dias conhecia pessoas novas.
Os Olivais tinham-se tornado enormes.

As aulas começaram e todos os fins-de-semana havia festas. Umas vezes no S. Marcos outras numa garagem das vivendas da Vila Fontes.
A caminho dessas festas parávamos no Tó para abastecer. Um "sumarino" para o caminho.
O rapaz que mordia tomadas eléctricas tinha-se tornado no amigo inseparável.
Movia-se com elegância nesse novo mundo.
Conhecia toda a gente e toda a gente o conhecia nessas festas cheias de caras novas e de música nova. Nova para mim.
O "Peter Frampton Comes Alive" era um sucesso.
Os Boney M. eram o máximo. Lembro-me de os ouvir em casa das M's, as 3 irmãs do prédio dos coronéis, ou seria dos generais?, ali mesmo ao lado d'A Tosta.
A vida cantada pela Grace Jones era em tons de rosa.
O "New Kid in Town" dos Eagles parecia escrito para mim.

Em casa do Nuno ouvia-se o "Love You Live" dos Stones. E foi aí que também vimos na televisão o concerto deles em Paris "Aux Abattoirs".




(não estavam à espera que colocasse o ras-ras-Rasputine, pois não...)

Esse concerto na tv marcou-me muito mais que o disco.


Foi neste período que conheci o Xai-Xai, o Fulacunda, a Vila Pery, o Bafatá, o Draivimpe, a Timor e mais alguns dos que por aqui circulam. O Bolama ainda estava nos distritais mas não demorou muito a chegar ao nosso campeonato.

No liceu os outros, os antigos amigos, olhavam-me de longe e deviam pensar "coitado, está a estudar para delinquente e está a sair-se bem."

Eu estava-me nas tintas para eles.
Esta nova vida era muito mais interessante que a anterior.

Na minha turma estavam o S. e o S.. O primeiro excelente aluno mas sempre pronto para "o putedo", o segundo, sombra do primeiro, gostava de armar confusão. Nunca havia um momento de tédio ao lado daqueles dois. O Bafatá era de outra turma mas nos intervalos juntávamo-nos todos.

O ano foi decorrendo cada vez mais animado.

As tardes sem aulas tornavam os dias mais longos.
Os intervalos dos Viveiros passaram a fazer parte desses dias e os "flippers" também. E uns lanches n'A Tosta.

No Carnaval fui até Vilamoura. Com os F. mas como havia uma regata o S. também lá estava e foi aí que conheci o Rio. Estavam no melhor hotel da cidade e tudo servia para "fazer putedo". Eram umas atrás das outras e a imaginação era muita. Uma noite acabaram por colocar todas as cadeiras e mesas da esplanada dentro da piscina.
Parece que estava mesmo a estudar para delinquente...

E assim cheguei a Março de 1978.
Foi um mês quente e foi quando apareceram os "skates" e outras caras e cada vez mais maluquices para fazer.

As festas passaram para o Penta e para o Fénix e cada vez mais gente rodava à minha volta.
Algumas coisas começaram a ser "pesadas" demais e tive de começar a ser mais criterioso na escolha das pessoas com quem andava.
Os erros servem para aprender e quem não aprende paga cara a lição.

Estes novos Olivais eram fascinantes e perigosos.

E tornavam-se cada vez mais perigosos.

Mas isso já foi depois de Março desse longínquo ano de 1978.

. . .

19 comentários:

bolama disse...

yes! aliás, ya ...

Fulacunda disse...

bem 'trazido' Beira.
é curioso como o que vestimos até no escrever se revela. estava a ler-te, e a ver pelos teus olhos esses tempos. é igualmente curioso como a mesma realidade, mas (des)codificada por outros, nos faz sentir como figurantes num filme onde antes tinhamos o papel principal.

e foi bom rever-te, lá.

joão belo disse...

bem trazido e melhor descrito. as tuas palavras são imagens. quando soltas assim a escrita, escreves tão bem...


[além de teres uma memória muito organizada]


:)

joão belo disse...

"é igualmente curioso como a mesma realidade, mas (des)codificada por outros, nos faz sentir como figurantes num filme onde antes tinhamos o papel principal.
"

g'anda pensamento, Fula!

:)

cláudia santos silva disse...

de facto, uma memória muito organizada...

:)

Anónimo disse...

De facto entre 1978 e 1984 (meu primeiro corte com os Olivais), os Olivais tornaram-se enormes, por vezes pequenos, negros e outras vezes bastantes coloridos.....
Os intervalos nos viveiros, nas arcadas, nos muros, nos flippers do Chafariz, nas sombras das arvores, nas festas em garagens, escolas, bares, aliado a muitos concertos (Cascais e Restelo), primeiras fins de semana na Caparica, na Costa Alentejana,cervejadas na Nova América, Trindade ou Portugália, as primeiras incursões no Bairro Alto, o Bronws,o RRV, o Souk, O Aguarela,(e as idas ao 2000 e a Santa Cruz ao Casino Velho), muitos novos amigos, muita musica, muita......enfim vivia-se intensamente, por vezes em caminhos bastantes perigosos...

Mas olhando para trás, apesar de muitos desgostos, acho que valeu a "pena ter vivivo o que vivi......", porque a nostalgia é enorme.

xai xai disse...

Beira: como diz o João Belo, na forma escrita também não vais mal, mas o "sumo" está excelente, bela descrição.
Só tenho pena que ainda não tenhas aceite o repto que te fiz no teu post "Maracangalha", de relembrar a nossa ida ao Ecran Mágico. E escusas de devolver o repto porque não me consigo lembrar de quando, como, porquê e com quem, foi esse episódio. Apenas me lembro que foste tu o dinamizador.
E como tu tens "de facto, uma memória muito organizada..."

Fulacunda disse...

'Ecran Mágico' ou 'Vaca Cornélia', com o saudoso Francisco Assis Pacheco?

xai xai disse...

Fula: Estás-me a ofender ou quê? Eu não protagonizo programas sobre pecuária.
Écran Mágico! Cinema!
Coisa fina e de alta cultura!

joão belo disse...

Fernando Assis Pacheco, Fula.
:)

Beira disse...

Ecrã Mágico.
Tenho uma vaga ideia disso.
Deve ter sido lá para 1979 no Teatro Villaret, ali na Fontes Pereira de Melo.

Fomos os vencedores.
Mas só fizemos figuração.
Lembro-me de uma cena sobre o Camões a perder o olho no norte de África. E nós a fazer uma guerra com sprays cheios de água.

Mas, XaiXai, o revivalismo ainda só vai em 78.
Quando chegarmos a 79 penso nisso.
Esgotei as palavras com as memórias de 1977-78.

ah...
E era Fernando Assis Pacheco!

Fulacunda disse...

Francisco, o que eu conheço mais famoso é Francisco Pacheco. Aliás conheço dois.

E era o da vaca sim senhor. Nós arabes, de DumDum na mão, e lá dentro nos bastidores a passar na televisão o maior duelo de sempre na F1, entre o Villeneuve e o Arnoux (o Bolama sabe do que falo, já que em tempos idos aqui dos/nos blogs, quase pré-históricos, já trocámos alguma coisa s/b o assunto)

Beira disse...

Dizes tu que foi no dia desse famoso GP de França?

Então está esclarecido que o programa foi para o ar na segunda-feira dia 2 de Julho de 1979.

E olha que não era "A Visita da Cornélia" mas sim o "Ecrã Mágico".

Fulacunda disse...

ok, eu fico com o GP e tu ficas com a vaca, perdão, com o ecrã. está feito.

Beira disse...

Se ficas com o GP ficas a ganhar!

Fulacunda disse...

e julgas que não sei isso desde há muito tempo? ;)

Fulacunda disse...

(já agora se tiveres algum tempo passeia-te lá nos comentários do link, que logo encontrarás outras afinidades ... até estas que aqui tratamos agora)

Anónimo disse...

2 de julho de 1979 foi uma grande data. coisa habitual nos 2 de julhos

Bonanza

Timor disse...

Beira, gostei muito.

Nanza, quando la chegarmos logo te damos os parabens.