segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Domingo de Novembro

Viemos ver a avó nos Olivais. Depois, caía a noite, apeteceu-me descer até ao Centro Comercial. Passámos pela Escola Básica 2+3 dos Olivais, a minha antiga Damião de Góis.
- Esta foi a primeira escola onde eu andei quando viemos para Lisboa.
-E era assim?
- Não. Eram filas de barracões. Quando chegarmos a casa vou-te mostrar as fotografias da escola (no Olivesaria, claro!).
E continuamos a andar, enquanto lhe falo dos lugares onde brincava. As vivendas onde moravam os primos da Bafatá. Há uma espécie de passagem de testemunho que nem o é. Testemunho de quê? Eu tinha quase o tamanho dele, os Olivais eram enormes, o contraste com a paisagem campestre, aquele lugarejo de onde se avistava o grande convento, ele pergunta-me olhando o grande centro comercial,
isto tudo já cá estava também?
não, isto veio depois, olha, ainda estão a construir.
há pouco, quando saímos de casa passámos pelas tijoleiras, muitos carros parados à frente - onde estão os polidores de esquinas agora?, pergunto-me, era sempre com um pouco de receio que enchía o passo em direcção ao ezequiel - dei conta da quantidade de anos que vivemos entretanto, construimos as nossas casas, criámos os nossos filhos, eu durante muitos anos não envelheci, mantinha, apesar de algum cansaço, do desgaste do tabaco, aquela capacidade de fechar os olhos e de fazer um raccord directo a qualquer zona do passado, agora não, agora já não vou lá, falta-me o fôlego, sei que vivi por aqui mas isso é quase que uma história, uma ficção, que construí e conto a mim mesmo, ainda há pouco ao descer no elevador cruzei-me com a teresa do marco, abri o sorriso meio automaticamente e depois percebi quem era, eu já não a devia ver há uns vinte anos, não conheço nenhuma das pessoas que agora passeia cães na cidade João Belo e isso diz tudo, os donos dos cães são uma marca resiliente ao esquecimento, já ao dobrar das tijoleiras, cruzo-me com a mãe da margarida e do diogo, olá, boa noite, digo eu jovialmente, ela não me reconhece, sauda-me rapidamente, está escuro, apercebo-me que os olivais têm o tamanho da mobilidade e da segurança de cada um, para a minha mãe os olivais também são enormes, estou entre dois lugares, os olivais da minha mãe, da casa materna, e os olivais que eu vou mostrando ao meu filho enquanto lhe digo, olha era aqui que o pai fazia isto, ou aquilo. Não há luz no rés do chão da praceta aleixo-corte real, penso, antes de entrar no centro e de me apagar eu próprio na luminosidade forte do festim das lojas, do compra-compra.

7 comentários:

cláudia santos silva disse...

os filmes que passam sob as nossas palavras.

(lembras-te, no filme do Wenders "until the end of the world", de uma maquineta, tipo óculos, que, depois de accionada, permitia ao seu utilizador visualizar as imagens que compunham as suas memórias?)

xai xai disse...

os nossos Olivais eram as pessoas e dessas, já quase nenhuma resta... nos Olivais, claro!
De qualquer modo, vai-se cumprindo os Olivais, em mesas de outros bairros, de outras cidades e até em outros países.

E também nesta "escada virtual" forrada a zeros e uns...

Beira disse...

Mas as memórias estão sempre muito ligadas aos lugares e esses ainda lá estão.

Um passeio com os filhos pela Alameda da Memória traz-nos histórias que por vezes se tinham escondido num recanto escuro.

Anónimo disse...

Caro João Belo:
Pois sabes que a mãe da M e do D sempre foi uma Srª um bocado despistada.

Coincidência eu aqui ter vindo e visto este post posso dizer-te que ela, nesse mesmo dia, comentou comigo o vosso cruzamento de elevador e as suas dúvidas em termos de reconhecimento.

De facto, ficando eu a saber de que andar do prédio tinhas aparecido, lá lhe refresquei a memória. Não foi preciso muito: ah... sim, sim, sei.
Abraço
D
Quanto ao post ... fez-me pensar nesses Olivais da minha casa materna, das escolas, dos lugares que frequentava e no meu regresso ao espaço do bairro, eu agora já crescido,em parte desligado desses lugares, em parte ligado.

joão belo disse...

abraço, D.

Marco Oliveira disse...

Eu hoje anda a passear as minhas cadelas nas traseiras do prédio e à volta da Igreja...
:-)

maria correia disse...

Não há Luz no Rés-do-Chão da Praceta Corte Real dava um belo título para um conto...do género: A Alice Já Não Mora Aqui...O que é estranho, e´que, na noss amemória, as coisas, os lugares e as pessoas continuam vivos. Ainda há pouco tempo acordei com a perfeita sensação de star na minha sala ntiga, na cass onde morei nos OLivais. A sala estava exactamente na mesma. Até havia luz lá dentro...