Telefono para casa. Para falar com a minha mãe. Apeteceu-me. Vou almoçar, antes disso fiz uma pausa, vim até ao Olivesaria, um sentimento de amizade invade-me sempre que aqui venho, amizade e história, a minha história, de repente lembrei-me da minha mãe, por onde parará?, ligo para casa. O atendedor de chamadas é o primeiro a chegar ao telefone. Ligo para o telemóvel. Estou a conduzir, meu filho, diz ela, não é urgente, é só para te dar um beijinho, respondo, para te dizer que te amo, penso de mim para mim, que preciso da minha árvore, o fim do século XX, que acabou, soube pelo JPT, ainda não me fez o homem-robot que antevi ser quando chegasse ao ano 2000.
Ocorrem-me sabores entretanto. A tortilha espanhola que a minha mãe fazia tão bem. A sopa de feijão vermelho com couve portuguesa. O empadão de carne, com a pele a estalar. O souflé de peixe. E, para lá dos sabores, o tempo. O que de mais importante me lembro é a sensação do tempo a abrir-se, a espraiar-se, a lentificar-se. Como este pequeno devaneio.
Ainda sou o mesmo, um tipo que chega ao momento de ir almoçar e que, enquanto fecha o expediente do serviço, se apercebe que, por maior romantismo que ponha na forma como olha o seu dia-a-dia, se tornou naquele burocrata que ridicularizava aos seus vinte anos. E que depois levanta a cabeça, como a avestruz, agarrando o gôle de ar que, durante todo o dia, fará a diferença. Como diz o Zé, descubro uma nova e não catalogada forma de heroísmo, sobreviver à minha ideia juvenil de mundo. E é assim, com a cabeça levemente inclinada sobre o olival, que saio, estupidamente feliz, reizinho do meu mundo, para o lado de fora deste teatro onde quase nada do que é, parece.
6 comentários:
todos os dias são o primeiro dia do resto das nossas vidas
«sobreviver à minha ideia juvenil do mundo»...bela frase e belo texto! Tenho tentado fazer isso, sobreviver à minha ideia juvenil do mundo...ajuda vir aqui ao Olivesaria, por aqui há um pathos que se mantém inalterável, o de um grupo de pessoas que um dia habitou ou habita ainda o bairro mais bonito de sempre. E aquela alegria de viver, apesar de tudo...
hello!!!! is anybody out there? este blogue está desactivado? mas por onde anda toda a gente?
Maria Correia, disseram-me que pelo Facebook, a atirar umas bocas para o ar, assim como quem está sentado na esplanada do Tó.
Enfim, coisas dos tempos modernos. Dantes, quando só havia blogues (ai, saudosos tempos) "... as pessoas eram mais demoradas. Diziam as palavras sílaba a sílaba, sorriam com vírgulas, mostravam nos dentes um ponto de interrogação à laia de uma flor. Quer isto dizer que não faziam uma pergunta exigindo de imediato uma resposta. Esperavam esbeltas no tempo, os olhos isentos de qualquer desafio ..."
(este Pedro Alvim, aparentemente, também não é adepto do FB)
Obrigada Fulacunda, pelo eco a um «is anybody out there?»...bem, mas eu também ando pelo FB a atirar umas «bocas para o ar», como quem estivesse na esplanada do Tó (saudades!), no entanto não deixo de «frequentar» o meu blogue preferido.
«Esperavam esbeltas no tempo»...bela frase...
Talvez seja uma fase, de repente anda tudo no facebook...enfim..sinais do tempo.
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