Ao descer para o metro cruzo-me com um rosto que me parece familiar. Ele também me reconhece.
-Professor Roxo! Viva!
Está reformado, entregue à sua vidinha, que o relógio segue em frente. Trocamos duas ou três palavras, foi meu professor de latim, ubi societas ibi ius, onde está a sociedade aí está o direito, mala burra est, a maçã é vermelha, rosae, rosis, rosa, foi o que me ficou desse ano e meio às voltas com o latim, mais os atrasos na vida, mas isso quem sabe, se não vai por um lado encaminha-se por outro, o professor Roxo, sempre com um ascético casaco de napa preto, olhos cavados, presidente do conselho directivo, era o Roxo, o maestro dos nossos Viveiros.
-Professor Roxo! Viva!
Está reformado, entregue à sua vidinha, que o relógio segue em frente. Trocamos duas ou três palavras, foi meu professor de latim, ubi societas ibi ius, onde está a sociedade aí está o direito, mala burra est, a maçã é vermelha, rosae, rosis, rosa, foi o que me ficou desse ano e meio às voltas com o latim, mais os atrasos na vida, mas isso quem sabe, se não vai por um lado encaminha-se por outro, o professor Roxo, sempre com um ascético casaco de napa preto, olhos cavados, presidente do conselho directivo, era o Roxo, o maestro dos nossos Viveiros.
Esqueço-me dele e começo a lembrar-me dos outros professores. Daquele professor de matemática que inventava jogos para que a ciência dos números se nos tornasse mais familiar, da professora Noémia, a professora de história, que era terna e meiga e paciente e doce, do Bacelar, o professor Bacelar, que ficou um amigo para a vida, ainda o encontrei por aí, o Gadoche, o Rui Dias José e o Afonso Praça, e muito especialmente aquele professor que já não me lembro do nome mas que nos colocou por dentro da febre de escrever. As suas propostas de redacções entusiasmavam-nos. Havia uma rapariga, a Luísa, a quem ele descobriu uma veia poética e que dizia, há-de ser escritora. Liamos os textos dela em voz alta, eram textos sensíveis, poéticos, falavam sobre a mulher, e a pouco e pouco todos nós alimentávamos a vontade de passarmos pelo quadro de honra daquele professor apaixonado pelas letras que nos lia o que diz molero?, como nos falava de Irene Lisboa, José Gomes Ferreira, Aquilino, Garret, e que principalmente, nos tornava nos personagens principais da nossa vida. Sorrio ao passar do tempo: comecei a escrever por inveja da Luísa. E às vezes quando por aqui alguém se detém no que eu escrevo, lembro-me do trabalhoso percurso que nesse ano fiz até merecer, numa redacção, um bom deste professor meio careca, baixinho, e que mudou tão radicalmente a minha relação com a vida.
23 comentários:
olha de quem te foste tu lembrar Belo, da professora Noémia, uma simpatia de facto, só mesma ultrapassada pela sua total incompetência pedagógica. Lembras-te que a meio da aula havia alguns que saiam pela janela, delizavam pelo telheiro e iam para a janela da sala ao lado fazer palhaçadas? e nisto apanhados flagrantemente voltavam quase aos trambulhões e sentavam-se aprumadinhos nas suas cadeiras, antes sequer da professora se voltar do quadro. E lá vinha a funcionária bater à porta, que sôtora andam aqui uns meninos que ... ai que disparate ò Dona tal, então acha que eu não via se eles andassem a sair da aula pelo telhado? e todas as aulas a mesma coisa, o ir e vir, o ar de anjinhos, a funcionária ter de recolher-se com a verdade entalada na garganta.
Mas era uma joia de pessoa de facto
Lembro-me de sair da sala pela janela, para o telheiro, mas não de voltar, antes deslizar e saltar para o pátio (depois de feita a chamada).
Também havia um professor de Introdução à Economia com um aspecto à George Michael, que a meio do ano (ou antes), de tanto ser gozado ,deixou de ser professor e nunca mais voltou. Anos mais tarde ficou-me um peso na consciência de tanto o ter bandarilhado.
Também me recordo da professora de Físico-Quimica, muito exigente mas uma excelente pedagoga.
Como chumbei nesse ano, e não estudava literalmente nada, a minha memória das aulas e desses professores todos é vã e nebulosa.
Boas memórias J.B.
fizémos todos o mesmo. eu dáva-me ao luxo de, depois de sair pelo telheiro, voltar a entrar... "ó stora, atrasei-me, peço desculpa, tire-me a falta... "mas ó Lobita, eu já fiz a chamada e a Lobita estava cá"... "não stora, parece-lhe... não estava não, acabei de chegar, por favor tire-me a falta"... bom, coitada, era a prof. de história. deve ter sido esta uma das razões que me levaram a chumbar a esta cadeira algumas vezes...
óh joão belo, já viste que tu querias a coisa séria e esta gente sem vergonha só tem bandidagem para contar?
o kamadu tissé saía e não voltava a lobita saia, mas voltava... ainda bem j.b. que esta gente não tem filhos, já viste o belo exemplo que seriam?
o fula ainda hoje não percebeu que a prof. noémia estava apenas a pôr em prática os mais progressistas métodos de ensino que os capitães nos proporcionaram...
[escapou-me algum acento?]
não queria nada a coisa séria, XaiXai, na te aprovetes!!! :)
e por acaso nas minhas memórias destas histórias dos telhados mais da D. Noémia, o Mamadu e o Fulacunda têm lugar de grande proximidade. O Fulacunda ao canto da sala, com o B., o Mamadu, como ele conta, a fazer a contagem decrescente para sair pela janela. O Mamadu era terrível nas artes da traquinagem. Um excelente tipo, por sinal!
Lembram-se das bolas de Berlim na pastelaria perto dos Viveiros? Uma delícia na altura e agora uma bomba de calorias ... mudam-se os tempos.
E do barbeiro? Lembro-me de uma vez ter cortado o cabelo e de jurar para nunca mais, porque foi uma romaria. Todo mundo quis ver.
lobita: fizeste-me rir sózinho !
mamadu: devias ter estado lá pelo d. dinis, tinhas uma boa turma para te juntares !
xai: mais uma tragédia... hoje, ainda agora, 0-0... you know !
joão belo: bendito meio careca professor !
Obrigado Jonhy B. Good, também és um porreirão.
Bafas, durante anos tive imensa pena de não ter andado no D. Dinis, mas agora é bom saber que os Viveiros são uma referência para muitos olivenses.
Só lá andei durante o 9º ano, mas foi um ano marcante. Tantas aventuras: cenas de pancadaria (lembro-me do Enrolado ao soco com outro oliveirense), eleições para a associação com disputas renhidas e proibições de andar com autocolantes políticos, as miúdas, o futebol no pátio, as amizades, etc., etc.
Obrigado Jonhy B. Good, também és um porreirão.
Bafas, durante anos tive imensa pena de não ter andado no D. Dinis, mas agora é bom saber que os Viveiros são uma referência para muitos olivenses.
Só lá andei durante o 9º ano, mas foi um ano marcante. Tantas aventuras: cenas de pancadaria (lembro-me do Enrolado ao soco com outro oliveirense), eleições para a associação com disputas renhidas e proibições de andar com autocolantes políticos, as miúdas, o futebol no pátio, as amizades, etc., etc.
mamadu: nos viveiros como no d. dinis, as rotinas eram marcadas pela nossa explosão adolescente em plena euforia de pós 25 de abril. E continuo a dizer, terias sido um valor acrescentado lá naquele fantástico liceu onde terminava a carreira nº 34 !!
Ah...as bolas de berlim!!! Comprava sempre 5 ou 6, dava uma a uma coleguinha e devorava as outras... eram uma delicia
Estiveste bem nessa da memória do Roxo (deixei cá um comentário que desapareceu, não deve ter entrado). não fui aluno dele - nunca tive latim, para mal dos meus pecados, para bem desses tempos. Mas bem me lembro do presidente do conselho directivo, um homem pequeno e já velho - e com o casaco de napa - que teve por missão abrir aqueles viveiros. Houve uma época que todos os dias lhe aparecíamos acompanhados por um contínuo qualquer, entre réus e queixosos, sempre com o mesmo problema - uma bola de raguebi debaixo do braço e as queixas de que não nos deixavam jogar (no meio dos corredores claro, que o pátio ou tinha os gajos do futebol ou estava invadido pela mole conversadora) enquanto outras e alheias versões apontavam excesso de vigor nas formações desordenadas e saraivadas de hand-offs. e o tipo, olhar triste e compreensivo, a perceber que já estávamos a gozar com ele, que só lá íamos chatear mas também, percebe-se depois, solidário com uma turba adolescente encerrada numa escola sem ginásio nem ginástica. "Vão lá jogar com calma" - como se fosse possível - e lá voltávamos outra vez no dia seguinte
O que me surpreendia nele era a ideia, abstrusa para nós, que gostava de estar ali.
E havia outros professores memoráveis. Eu tive dois grandes professores de história no 10º e 11º, o primeiro era Aníbal Esteves e morava na rua da escola, no prédio do gajo da vespa verde. Do outro não me sai o nome - eram fantásticos, um tipo depois vai a professor, num sítio repousado, nas caganças da universidade, e vê que não lhes chega aos calcanhares. Mas também havia muitos matrecos, ou talvez meros aterrorizado(a)s - a Nequinho, porque andava sempre vestida com fatos de quadrados, tal como uma figura da novela de então, interpretada por um actor chamado Flávio Migglacio (ou qualquer coisa assim) O que a mulher sofreu às mãos dos óligans dali. Mas também miutos davam o flanco, punham-se a jeito
E, na ressaca do 25 de Abril, não havia autoridade nenhuma. Nada - uma bandalheira
Não me lembro do nome de um único professor ou professora das escolas por onde andei nos Olivais e Chelas. Curioso que me lembro dos nomes quase todos da primária e universidade. Mas acho que me lembro vagamente da professora de física a que se refere o Mamadu. A artimanha de sair pela janela conheci na Fernando Pessoa, onde o pessoal saía pela janela e ia a correr dar uma volta ao pequeno pavilhão (e nós conseguíamos acompanhar o progresso pelas janelas) e voltava a entrar pela janela ou pela porta sem a professora reparar (nem sempre) - mas eram outros, eu era dos bem comportados. Ganhava o que conseguia dar mais voltas sem ser apanhado.
Ainda da Fernando Pessoa, lembro-me de termos uma professora de música cega a quem frequentemente desligávamos a ficha do orgão - ainda hoje tenho complexos de culpa quando penso nisso.
Tive um professor de português no D. Dinis que bem tentou inspirar os alunos e incultir-nos o gosto pela leitura. Trazia discos, livros bonitos, deixava-nos fumar, cantávamos versos do Camões ("Verdes são os campos, da cor dos limões...), e por vezes, no meio da calamidade, lá conseguia inspirar a turma. Tinha andado na faculdade com a minha mãe que, para meu horror chegou um dia a casa e disse-me que tinha encontrado o professor e que lhe tinha dito que eu o achava estúpido! E depois, com ar de que não tinha sido nada disse-me "Oh filha, eu depois lá compus o ramalhete".
O latim só me foi útil anos depois na faculdade numa oral de estatística (uma crueldade) em que apenas conseguia responder "Ad Augusta per angusta" e "Hoc opus hic labor est".
é um bocado isso o mesmo comigo - nem da cara nem do nome da maioria dos tipos do liceu: deve querer dizer alguma coisa
Timor: pergunta ao teu irmão mais velho se ainda se lembra das entradas e saídas pela janela, na sala de música da Eugénio dos Santos. Tudo porque uma crueldade administrativa, não concedia a reforma ao prof. (o celebérrimo "bintóito") e ele, já tomado por uma dessas demências neuro qualquer coisa, não cumpria os requisitos mínimos para ensinar. Foi meu professor durante o 1º e o 2º ano,e apenas me recordo de uma avaliação, fiz uma escala no final do 1º periodo, alcancei "brilhante" Mt. Bom (como todos os outros) e nos 5 periodos seguintes repetiu-se a nota. A crueldade administrativa que refiro prende-se com o facto de os profs. de música não usufruirem dos mesmos direitos e regalias que os outros, nomeadamente o direito à reforma. Foi assim, que sempre me explicaram a circunstância do "bintóito" ainda dar aulas com as suas faculdades tão diminuídas. Por uma vez, declaro: Viva o 25 de Abril!
A "bintóito" era a minha professora de ciências da natureza na Fernando Pessoa… fez dois pares de botas do far west.
benguela: há uma conexão entre os dois "bintóitos", dada a diferença de idades entre nós os dois, a tua prof. de ciências, creio que era avó do meu prof. de música...
quanto à ligação das 4 "faruestas" às ciências da natureza, vinha de onde? da pele de cobra das ditas cujas?
... bruxo!
ehehe, só me riu com estes dois
O meu primeiro professor de português nos "Viveiros" foi um negro, o segundo foi o Roxo.
Para mim a disciplina do português foi sempre colorida.
Largo, quando é que te chegas à frente?
Que memória fantástica que vocês têm, impressionante! Estou como a Timor e o Bolama, não me consigo lembrar dos nomes dos professores... eu saía pela porta e já não voltava mais, deve ter sido por isso que chumbei por faltas nesse ano, nos Viveiros!!!Depois, recambiaram-me para o D. Dinis. Ahhh, lembro-me das Bolas de Berlim, que na altura podia comer umas atrás das outras...
Deixa lá Vila Perry que eu tb só me lembro das bolas de berlim e do meu primeiro namorado que por sinal é meu cunhado :(
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