sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Os professores

Ao descer para o metro cruzo-me com um rosto que me parece familiar. Ele também me reconhece.

-Professor Roxo! Viva!

Está reformado, entregue à sua vidinha, que o relógio segue em frente. Trocamos duas ou três palavras, foi meu professor de latim, ubi societas ibi ius, onde está a sociedade aí está o direito, mala burra est, a maçã é vermelha, rosae, rosis, rosa, foi o que me ficou desse ano e meio às voltas com o latim, mais os atrasos na vida, mas isso quem sabe, se não vai por um lado encaminha-se por outro, o professor Roxo, sempre com um ascético casaco de napa preto, olhos cavados, presidente do conselho directivo, era o Roxo, o maestro dos nossos Viveiros.
Esqueço-me dele e começo a lembrar-me dos outros professores. Daquele professor de matemática que inventava jogos para que a ciência dos números se nos tornasse mais familiar, da professora Noémia, a professora de história, que era terna e meiga e paciente e doce, do Bacelar, o professor Bacelar, que ficou um amigo para a vida, ainda o encontrei por aí, o Gadoche, o Rui Dias José e o Afonso Praça, e muito especialmente aquele professor que já não me lembro do nome mas que nos colocou por dentro da febre de escrever. As suas propostas de redacções entusiasmavam-nos. Havia uma rapariga, a Luísa, a quem ele descobriu uma veia poética e que dizia, há-de ser escritora. Liamos os textos dela em voz alta, eram textos sensíveis, poéticos, falavam sobre a mulher, e a pouco e pouco todos nós alimentávamos a vontade de passarmos pelo quadro de honra daquele professor apaixonado pelas letras que nos lia o que diz molero?, como nos falava de Irene Lisboa, José Gomes Ferreira, Aquilino, Garret, e que principalmente, nos tornava nos personagens principais da nossa vida. Sorrio ao passar do tempo: comecei a escrever por inveja da Luísa. E às vezes quando por aqui alguém se detém no que eu escrevo, lembro-me do trabalhoso percurso que nesse ano fiz até merecer, numa redacção, um bom deste professor meio careca, baixinho, e que mudou tão radicalmente a minha relação com a vida.

23 comentários:

Fulacunda disse...

olha de quem te foste tu lembrar Belo, da professora Noémia, uma simpatia de facto, só mesma ultrapassada pela sua total incompetência pedagógica. Lembras-te que a meio da aula havia alguns que saiam pela janela, delizavam pelo telheiro e iam para a janela da sala ao lado fazer palhaçadas? e nisto apanhados flagrantemente voltavam quase aos trambulhões e sentavam-se aprumadinhos nas suas cadeiras, antes sequer da professora se voltar do quadro. E lá vinha a funcionária bater à porta, que sôtora andam aqui uns meninos que ... ai que disparate ò Dona tal, então acha que eu não via se eles andassem a sair da aula pelo telhado? e todas as aulas a mesma coisa, o ir e vir, o ar de anjinhos, a funcionária ter de recolher-se com a verdade entalada na garganta.
Mas era uma joia de pessoa de facto

Anónimo disse...

Lembro-me de sair da sala pela janela, para o telheiro, mas não de voltar, antes deslizar e saltar para o pátio (depois de feita a chamada).
Também havia um professor de Introdução à Economia com um aspecto à George Michael, que a meio do ano (ou antes), de tanto ser gozado ,deixou de ser professor e nunca mais voltou. Anos mais tarde ficou-me um peso na consciência de tanto o ter bandarilhado.
Também me recordo da professora de Físico-Quimica, muito exigente mas uma excelente pedagoga.
Como chumbei nesse ano, e não estudava literalmente nada, a minha memória das aulas e desses professores todos é vã e nebulosa.
Boas memórias J.B.

Lobita disse...

fizémos todos o mesmo. eu dáva-me ao luxo de, depois de sair pelo telheiro, voltar a entrar... "ó stora, atrasei-me, peço desculpa, tire-me a falta... "mas ó Lobita, eu já fiz a chamada e a Lobita estava cá"... "não stora, parece-lhe... não estava não, acabei de chegar, por favor tire-me a falta"... bom, coitada, era a prof. de história. deve ter sido esta uma das razões que me levaram a chumbar a esta cadeira algumas vezes...

xai xai disse...

óh joão belo, já viste que tu querias a coisa séria e esta gente sem vergonha só tem bandidagem para contar?
o kamadu tissé saía e não voltava a lobita saia, mas voltava... ainda bem j.b. que esta gente não tem filhos, já viste o belo exemplo que seriam?
o fula ainda hoje não percebeu que a prof. noémia estava apenas a pôr em prática os mais progressistas métodos de ensino que os capitães nos proporcionaram...
[escapou-me algum acento?]

joão belo disse...

não queria nada a coisa séria, XaiXai, na te aprovetes!!! :)

e por acaso nas minhas memórias destas histórias dos telhados mais da D. Noémia, o Mamadu e o Fulacunda têm lugar de grande proximidade. O Fulacunda ao canto da sala, com o B., o Mamadu, como ele conta, a fazer a contagem decrescente para sair pela janela. O Mamadu era terrível nas artes da traquinagem. Um excelente tipo, por sinal!

Anónimo disse...

Lembram-se das bolas de Berlim na pastelaria perto dos Viveiros? Uma delícia na altura e agora uma bomba de calorias ... mudam-se os tempos.
E do barbeiro? Lembro-me de uma vez ter cortado o cabelo e de jurar para nunca mais, porque foi uma romaria. Todo mundo quis ver.

Anónimo disse...

lobita: fizeste-me rir sózinho !

mamadu: devias ter estado lá pelo d. dinis, tinhas uma boa turma para te juntares !

xai: mais uma tragédia... hoje, ainda agora, 0-0... you know !

joão belo: bendito meio careca professor !

Anónimo disse...

Obrigado Jonhy B. Good, também és um porreirão.
Bafas, durante anos tive imensa pena de não ter andado no D. Dinis, mas agora é bom saber que os Viveiros são uma referência para muitos olivenses.
Só lá andei durante o 9º ano, mas foi um ano marcante. Tantas aventuras: cenas de pancadaria (lembro-me do Enrolado ao soco com outro oliveirense), eleições para a associação com disputas renhidas e proibições de andar com autocolantes políticos, as miúdas, o futebol no pátio, as amizades, etc., etc.

Anónimo disse...

Obrigado Jonhy B. Good, também és um porreirão.
Bafas, durante anos tive imensa pena de não ter andado no D. Dinis, mas agora é bom saber que os Viveiros são uma referência para muitos olivenses.
Só lá andei durante o 9º ano, mas foi um ano marcante. Tantas aventuras: cenas de pancadaria (lembro-me do Enrolado ao soco com outro oliveirense), eleições para a associação com disputas renhidas e proibições de andar com autocolantes políticos, as miúdas, o futebol no pátio, as amizades, etc., etc.

bafata disse...

mamadu: nos viveiros como no d. dinis, as rotinas eram marcadas pela nossa explosão adolescente em plena euforia de pós 25 de abril. E continuo a dizer, terias sido um valor acrescentado lá naquele fantástico liceu onde terminava a carreira nº 34 !!

Rua Cidade de Inhambane disse...

Ah...as bolas de berlim!!! Comprava sempre 5 ou 6, dava uma a uma coleguinha e devorava as outras... eram uma delicia

Anónimo disse...

Estiveste bem nessa da memória do Roxo (deixei cá um comentário que desapareceu, não deve ter entrado). não fui aluno dele - nunca tive latim, para mal dos meus pecados, para bem desses tempos. Mas bem me lembro do presidente do conselho directivo, um homem pequeno e já velho - e com o casaco de napa - que teve por missão abrir aqueles viveiros. Houve uma época que todos os dias lhe aparecíamos acompanhados por um contínuo qualquer, entre réus e queixosos, sempre com o mesmo problema - uma bola de raguebi debaixo do braço e as queixas de que não nos deixavam jogar (no meio dos corredores claro, que o pátio ou tinha os gajos do futebol ou estava invadido pela mole conversadora) enquanto outras e alheias versões apontavam excesso de vigor nas formações desordenadas e saraivadas de hand-offs. e o tipo, olhar triste e compreensivo, a perceber que já estávamos a gozar com ele, que só lá íamos chatear mas também, percebe-se depois, solidário com uma turba adolescente encerrada numa escola sem ginásio nem ginástica. "Vão lá jogar com calma" - como se fosse possível - e lá voltávamos outra vez no dia seguinte
O que me surpreendia nele era a ideia, abstrusa para nós, que gostava de estar ali.

E havia outros professores memoráveis. Eu tive dois grandes professores de história no 10º e 11º, o primeiro era Aníbal Esteves e morava na rua da escola, no prédio do gajo da vespa verde. Do outro não me sai o nome - eram fantásticos, um tipo depois vai a professor, num sítio repousado, nas caganças da universidade, e vê que não lhes chega aos calcanhares. Mas também havia muitos matrecos, ou talvez meros aterrorizado(a)s - a Nequinho, porque andava sempre vestida com fatos de quadrados, tal como uma figura da novela de então, interpretada por um actor chamado Flávio Migglacio (ou qualquer coisa assim) O que a mulher sofreu às mãos dos óligans dali. Mas também miutos davam o flanco, punham-se a jeito

E, na ressaca do 25 de Abril, não havia autoridade nenhuma. Nada - uma bandalheira

Timor disse...

Não me lembro do nome de um único professor ou professora das escolas por onde andei nos Olivais e Chelas. Curioso que me lembro dos nomes quase todos da primária e universidade. Mas acho que me lembro vagamente da professora de física a que se refere o Mamadu. A artimanha de sair pela janela conheci na Fernando Pessoa, onde o pessoal saía pela janela e ia a correr dar uma volta ao pequeno pavilhão (e nós conseguíamos acompanhar o progresso pelas janelas) e voltava a entrar pela janela ou pela porta sem a professora reparar (nem sempre) - mas eram outros, eu era dos bem comportados. Ganhava o que conseguia dar mais voltas sem ser apanhado.

Ainda da Fernando Pessoa, lembro-me de termos uma professora de música cega a quem frequentemente desligávamos a ficha do orgão - ainda hoje tenho complexos de culpa quando penso nisso.

Tive um professor de português no D. Dinis que bem tentou inspirar os alunos e incultir-nos o gosto pela leitura. Trazia discos, livros bonitos, deixava-nos fumar, cantávamos versos do Camões ("Verdes são os campos, da cor dos limões...), e por vezes, no meio da calamidade, lá conseguia inspirar a turma. Tinha andado na faculdade com a minha mãe que, para meu horror chegou um dia a casa e disse-me que tinha encontrado o professor e que lhe tinha dito que eu o achava estúpido! E depois, com ar de que não tinha sido nada disse-me "Oh filha, eu depois lá compus o ramalhete".

O latim só me foi útil anos depois na faculdade numa oral de estatística (uma crueldade) em que apenas conseguia responder "Ad Augusta per angusta" e "Hoc opus hic labor est".

Anónimo disse...

é um bocado isso o mesmo comigo - nem da cara nem do nome da maioria dos tipos do liceu: deve querer dizer alguma coisa

xai xai disse...

Timor: pergunta ao teu irmão mais velho se ainda se lembra das entradas e saídas pela janela, na sala de música da Eugénio dos Santos. Tudo porque uma crueldade administrativa, não concedia a reforma ao prof. (o celebérrimo "bintóito") e ele, já tomado por uma dessas demências neuro qualquer coisa, não cumpria os requisitos mínimos para ensinar. Foi meu professor durante o 1º e o 2º ano,e apenas me recordo de uma avaliação, fiz uma escala no final do 1º periodo, alcancei "brilhante" Mt. Bom (como todos os outros) e nos 5 periodos seguintes repetiu-se a nota. A crueldade administrativa que refiro prende-se com o facto de os profs. de música não usufruirem dos mesmos direitos e regalias que os outros, nomeadamente o direito à reforma. Foi assim, que sempre me explicaram a circunstância do "bintóito" ainda dar aulas com as suas faculdades tão diminuídas. Por uma vez, declaro: Viva o 25 de Abril!

benguela disse...

A "bintóito" era a minha professora de ciências da natureza na Fernando Pessoa… fez dois pares de botas do far west.

xai xai disse...

benguela: há uma conexão entre os dois "bintóitos", dada a diferença de idades entre nós os dois, a tua prof. de ciências, creio que era avó do meu prof. de música...
quanto à ligação das 4 "faruestas" às ciências da natureza, vinha de onde? da pele de cobra das ditas cujas?

benguela disse...

... bruxo!

Fulacunda disse...

ehehe, só me riu com estes dois

Anónimo disse...

O meu primeiro professor de português nos "Viveiros" foi um negro, o segundo foi o Roxo.
Para mim a disciplina do português foi sempre colorida.

bolama disse...

Largo, quando é que te chegas à frente?

Vila Pery disse...

Que memória fantástica que vocês têm, impressionante! Estou como a Timor e o Bolama, não me consigo lembrar dos nomes dos professores... eu saía pela porta e já não voltava mais, deve ter sido por isso que chumbei por faltas nesse ano, nos Viveiros!!!Depois, recambiaram-me para o D. Dinis. Ahhh, lembro-me das Bolas de Berlim, que na altura podia comer umas atrás das outras...

Rua Cidade de Inhambane disse...

Deixa lá Vila Perry que eu tb só me lembro das bolas de berlim e do meu primeiro namorado que por sinal é meu cunhado :(