sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Feliz Natal e abafadores translúcidos e sorridentes‏

Bom dia!

Falou-se várias vezes neste blogue, ultimamente, de berlindes, guelas, bilas e...abafadores, aqueles berlindes enormes que faziam já não sei o quê aos outros, mais maneirinhos. Pois há anos que eu não via um abafador. Os meus filhos tiveram berlindes, sacos enormes cheinhos de berlindes, mas, com os anos, todos foram desparecendo, levados pelo acaso e pelo esquecimento.Talvez um dia sejam encontrados debaixo do solo, por uma civilização qualquer que já não brinca com berlindes, e que se interrogará por que razão aquela civilização perdida terá construído objectos tais, redondos como planetas num microcosmo qualquer.

Pois um destes dias, nas arrumações que sempre faço antes do Natal, e enqunato procurava algo de completamente diferente, talvez a chave de um armário ou uma lanterna, deparo-me, no meio de um monte de coisas sem nome nem destino, ao fundo de uma pequena gaveta, com um...abafador. Sozinho, sem maneirinhos à volta para «abafar», isolado no tempo e no espaço, ali estava ele, verde, translúcido, enorme, solitário, lindo!.... Ocorreu-me imediatamente o que Jung andou a dizer sobre a sincronicidade, ou seja, a possibilidade de não existirem acasos, de não haver coincidências, mas sim um entrelaçamento, como se estuda na física quântica, de factos e acontecimentos encadeados que levam a um único destino, sempre. Ali estava um abafador dos velhos tempos, piscando-me o olho, sorridente e feliz por ter sido encontrado. Sorri também. Ei-lo! Há anos que não falava nem em berlindes nem em abafadores e ei-lo ali, de repente, poucos dias depois de ter relido alguns dos textos aqui no blogue sobre o Tempo dos Berlindes. Guardei-o, desta vez num lugar especial. E, daqui a uns anos, quando de novo abrir a caixa em que o guardei, lembrar-me-ei de certeza da razão por que o fiz. Algo vaga, mas que talvez tenha a ver com isto: o passado está sempre presente, de uma maneira ou de outra, infiltrado em tudo o que fazemos e dizemos. Bom ou mau, é o que somos agora: presentes do passado num futuro que com estes se entrelaça. E, como falamos de presentes e estamos em época deles, aproveito para desejar a todos um Bom Natal, com tantas coisas boas e que vos tragam tanta felicidade como um dia este «abafador» trouxe a alguém. Um Natal lindo, verde, translúcido, que «abafe» todas as tristezas e faça resplandecer o espírito de todos os meninos, de todas as meninas, de qualquer idade.

FELIZ NATAL!

por Maria Correia


Nota editorial: Esta contribuição havia sido enviada para os bastidores deste blogue, pela sua autora, com a antecipação suficiente ao dia natalício a que faz referência. Só a inépcia desta equipa de administradores do blog, que apesar de serem muitos não servem de muito para a unica função que têm a cumprir: editar, e muito menos em época de rabanadas, impediu a sua publicação atempada. Não obstante, e porque este texto evoca muito para além do natal, acreditamos que não perderá oportunidade mesmo que com esta lamentada edição tardia. À autora, as nossas desculpas.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

apenas para manifestar o desejo

do melhor natal possível
para todos os olivalenses e suas famílias,

e pronto, para o resto da humanidade também, vá lá.


(espaço reservado a um boneco alusivo que um dia um de nós aqui há-de deixar)

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

estória (comprida) na esquadra dos olivais

"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

Esta sentença, ouvia-a eu da boca de um meritíssimo juiz no Palácio de Justiça de Lisboa no dia 14 de Junho de 1984.

Tudo começou a meio da manhã dessa quinta-feira quando saí de casa na minha Vespa amarela (fiel companhia que ainda hoje mantenho), para uma recolha de agriões em casa de fornecedor amigo e que por mero acaso não estava em casa. No caminho de retorno encontrei, um Novo Redondo bom e velho parceiro de muitas horas olivalenses e sesimbrenses.
“Bute aí, levo-te a casa” – convidei eu.

Junto à paragem do 21 próximo da igreja, a tal que o Fula incluiu em roteiro turístico proposto a uma “Intrusa” que por aqui passou, o percurso foi interrompido por uma arreliadora sirene que se declarou, atraída pela ausência de capacete do amigo Novo Redondo.
Acontece que por má fortuna minha, não foi a única ausência que captou a atenção do Xô Guarda que nos interpelou. Interessou-se igualmente pelo facto de eu estar a conduzir uma mota de 125 c.c. sem estar para tal habilitado, isto é: “… não tem carta de condução???”
Ouvi então a primeira sentença do dia: “Todos para a esquadra… e já!”
A firmeza autoritária de um fardado, só encontra paralelo na cobardia da sua versão civil, testemunhei eu na minha passagem pela instituição militar.

Chegados ao posto, fomos intimados a aguardar, nos característicos bancos de “sumápau” que decoram as esquadras. Nesta altura já se tinha atenuado o receio que revistassem a Vespa e me fosse pedida justificação para a existência de uma balança na “mala” da viatura. Em boa verdade, tudo é possível na cabeça de um polícia, incluindo não entender que é perfeitamente normal andar a passear pelos Olivais com uma balança, “debaixo do braço”.
Enquanto isso, o “nosso” polícia ia entrando e saindo da esquadra sem demonstrar grande pressa em iniciar a tramitação processual. De tal modo, que me convenci da intenção do agente em nos “pregar uma grande seca”, e em seguida mandar-nos em paz para o afago do lar, para onde ele iria igualmente quando terminasse o seu turno a meio da tarde.

Aqui chegados, convém lembrar que o tal dia 14 de Junho de 1984, não era, futebolisticamente falando, um dia qualquer. Nesse dia, a selecção nacional jogava com a Alemanha Federal (ou Ocidental como também era conhecida), o primeiro jogo da fase final do Campeonato da Europa, campeonato esse onde nunca tínhamos participado e que apenas encontrava importância análoga no Campeonato do Mundo em 1966(!). Certamente que estaria nesse acontecimento a explicação para o facto do polícia não pretender avançar com situações que poderiam muito bem desaguar em trabalho extraordinário.

Tudo se encaminhava para um fim feliz como no mais feérico dos contos, quando o Novo Redondo desta estória resolveu na melhor tradição olivalense, questionar o cumprimento das regras de boa conduta policial afixadas em quadro na parede do “estabelecimento”.

“O polícia apresenta-se sempre bem ataviado”
Sonora risada e comentário pouco abonatório.
“O polícia dirige-se educadamente aos cidadãos” sonora risada e comentário pouco abonatório.
E foram-se sucedendo as sonoras risadas e os comentários pouco abonatórios.
De tal modo que o sub-chefe de serviço, furioso e agastado com as observações, aproveitou uma ausência do polícia responsável pela detenção, e comunicou com o Tribunal de Polícia na Av. Marquês da Fronteira informando que se iria apresentar para julgamento um “meliante” que conduzia sem carta de condução.
E assim mesmo sucedeu.
O Novo Redondo foi mandado em paz para casa e após séria discussão entre o sub-chefe e o polícia da detenção lá foi este, contrariado e mais aborrecido que um deputado em dia de plenário na A.R. acompanhar-me ao julgamento no Palácio de Justiça de Lisboa.

No percurso, afinámos a estratégia para que tudo se desenrolasse de forma célere e limpa, pelo menos para o meu cadastro.

Arribei ao Palácio acreditando que o depoimento favorável do representante da autoridade, aliado a duas ou três lágrimas de crocodilo, me fariam passar incólume na sentença judicial.

AZAR o meu…
O meritíssimo de serviço, partilhava do nosso gosto pelo futebol e tanto assim era que já tinha recolhido a casa deixando o contacto telefónico para a eventualidade de algum “fora-da-lei” aparecer mas certamente convicto que tal não iria suceder.
AZAR o dele… e o meu!

Obviamente que quando o telefone tocou e foi informado de que havia “trabalho”, a minha condenação ficou garantida. E com toda a razão, acrescento eu. Não se interrompe impunemente a pacatez caseira de um juiz de serviço ao Tribunal de Polícia no Palácio de Justiça.

O julgamento foi rápido e no melhor estilo antes de ser já o era, fazendo lembrar Guantanamo.

Cumprimos todos a nossa missão:
Eu ofereci comoventes, intensas e sentidas gotas lacrimejares que réptil algum seria capaz de igualar;
O Xô Guarda enalteceu todas as minhas qualidades humanas, fina educação, trato irrepreensível e todos os encómios que a inspiração proveniente da vontade de ir assistir ao jogo rapidamente, lhe fornecia;
O Sr. Dr. Juiz, foi ligeiro e assertivo:
"O Sr. Guarda já terminou? Muito bem! O tribunal sentencia o réu em pena de prisão, remissível em coima no valor de 15.500$00."

P.S (1). Esta estória teve um final tântrico. Apenas terminou 13 meses depois quando paguei a última prestação da coima. Tinha terminado a tropa e estando impedido de voltar a estudar por ter atingido o limite parental de 3 anos escolares chumbados, encontrava-me na situação de desempregado sem capacidade financeira para pagar a multa.
A solução mais natural foi solicitar um empréstimo aos meus progenitores. Para minha grande surpresa resolveram dar-me uma lição.
“Estás sem dinheiro? Não tens rendimentos? Explica isso ao juiz e pede para pagares em suaves prestações” E assim foi, pedido apresentado, deferimento conseguido e após a liquidação da primeira prestação de 3.500$00, dirigi-me invariavelmente, no início dos doze meses seguintes à C.G.D. do Palácio da Justiça com as respectivas guias preenchidas, pagar os 1.000$00 acordados.
Não sei bem porquê, tornei-me averso a multas e foram muitas poucas as que tive até hoje.

P.S. (2) Portugal empatou 0-0 com a Alemanha Federal. 5 anos depois deixou de ser Federal porque alguém se encostou a um muro que por lá havia, derrubou-o e ficou vazio um mastro na sede da ONU.

xai-xai

actualização de links (*)






Na coluna da esquerda foram suprimidos da secção "oliveiras por aí espalhadas" três blog's de autores com origens olivalenses que há um tempo significativo nada editam, a saber: "a memória inventada", "colheita de 63" e "antigamente". Estes blog's, porque continuam disponíveis, transitarão então para uma nova secção a que chamámos "oliveiras em pousio" para que assim os distingamos daqueles que continuam com uma actividade de edição regular.

Não se retiraram ainda desse espaço outros blog's que neste momento se encontram com declarações de encerramento por se levantarem duvidas sobre a efectiva irreversibilidade dessa determinação, já que os seus veteranos autores são várias vezes reincidentes nesta intenção de mortalidade dos seus blog's. É o caso do "apenas+1", sete vezes autodeclarado defunto e do "ma-schamba" que, senão tantas, outras muitas vezes se (re)encerrou também. Vigiaremos de perto os humores desses sítios antes da excisão final.

Entretanto têm sido acrescentados novos links a blogs de olivalenses sempre que estes nos forem notados, como foram recentemente os casos do "nuno fonseca (illustration)" e do "os amigos de alex". Aproveitamos para fazer um apelo a quem souber de outros blog's que por essa condição devam ser aqui divulgados que façam o favor de nos informar.


(*) ou Elos - de acordo com a ortodoxia do léxico português veementemente defendida pelo saudoso Bolama

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Oa amigos

Haverei de escrever sobre isto, os amigos, penso enquanto o carro roda a alta velocidade na direcção Sevilha-Lisboa. Desta vez vamos por baixo, pelo sul, um caminho que eu fiz a primeira vez imaginariamente, quando resolvia o itinerário de uma personagem, a Esmeralda, que durante alguns anos fez a sua travessia do inferno pelos bares de alterne à beira da estrada, entre Huelva e Granada. É o Xai-Xai que conduz. Pelo espelho retrovisor olho-o e vou-me divertindo a tentar descobrir o meu amigo de primeira adolescência. Tinha o cabelo mais comprido, eu sei. Era mais doce também, éramos todos. Ainda não tinhamos tantos tiques, tantos trejeitos, tantos gestos repetidos. Mas parece-me o mesmo, pelo menos fisicamente, pelo menos no pequeno recorte de gente que um espelho retrovisor é capaz de fazer. O seu cabelo escuro, sem entradas nem madeixas brancas ajuda. É claro que mais tarde, quando ele puser os óculos eu vou pensar, ele vai ser o que, de todos, vai ficar mais parecido com o seu pai, mas agora, sem lentes, naquele pedaço de rosto, parece-me tão igual ao que ele era. Ao seu lado está a C. a sua mulher e ao meu lado a D., a minha namorada, e elas, sem sequer precisarem de abrir a boca contam de nós a história que falta mas naquele momento em que o olho é como se a mim mesmo se me visse naquilo que eu também fui e cuja narrativa fui esquecendo. Quando vejo nele, quando consigo ver nele o Xai-Xai de há trinta anos, e porque não me vejo a mim senão através desta projecção, é também a mim que me vejo, há trinta anos. Vou assim, de Sevilha a Lisboa numa viagem que é mais do que isso, uma peregrinação pelas minhas memórias, por memórias que eu não sabia existirem. O leite nido com nesquik arranjado pela Urânia, a empregada do Xai. Aqueles lanches latagões do ZAC que queria crescer, ser forte e robusto. Os fins de tarde, até, do andar debaixo algum dos meus irmãos me virem chamar para jantar - e eu hoje já sei o que o meu filho passa quando eu tenho de interromper as suas brincadeiras com os amigos para o chamar para jantar - e dos quais já não recordo nada senão esse sentimento de conforto que tinha. O pai do Xai que chegava e que trazia sempre fato e gravata e uma mala preta de negócios. As escavações de fósseis no termo do prédio. As tardes de futebol. A certa altura eu e o Xai declinamos em voz alta os nomes das equipas, dos craques. Não tenho nostalgia pelos lugares perdidos e a infância será sempre um lugar perdido. Tenho algum desconsolo porque por vezes me parece que o céu era mais azul, que o sol e o próprio tempo fiavam de outra maneira, mas não tenho nostalgia. E o mais curioso de tudo isto: ao olhar os objectivos deste blogue, o destravar do rememorejar, poder-se-ía pensar que o que verdadeiramente nos une é uma espécie de regresso ao passado. E não é, descubro naquele recorte de rosto que o espelho retrovisor consegue capturar, como já o tinha intuído no bem estar com que me sentava àquelas mesas de pinchos e tapas, aquilo que verdadeiramente nos une, e o Fula disse-o dois ou três posts abaixo, é a percepção daquilo que nunca saberíamos entender há cerca de trinta anos: que a diferença pode aproximar. Vejo-me neles, neste pequeno grupo de ciclistas para a fotografia das ruas de Sevilha, no gosto de acamaradar, de descobrir, de partilhar. A diferença e o tempo trataram-nos bem, entretanto.

Apontamentos de Sevilha

A certa altura os nossos passos levaram-nos àquela igreja, da qual já não recordo o nome, que tinha um monumental altar, todo encrastado em talha, do chão até ao tecto. Era monumental. Espalhámo-nos pela ala lateral para não interferirmos com o ofício religioso que decorria. Na zona central da igreja, no púlpito, um padre falava aos seus fiéis, muito poucos. Aliás a dimensão do espaço, o gigantismo da sua construção, da pedra, da talha e de todos os ornamentos que mais pareciam fazer desaparecer a pequena legião de paroquianos que escutavam o sermão, já de si introduzia uma nota dissonante: o padre perorava sobre o peso dos objectos na nossa vida, da manifestação apoteótica do material, e fazia-o num lugar que era por si próprio a exaltação e a exarcerbação da ostentação e da conversão das paisagens imateriais ao domínio do objecto, da matéria.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

é só varejar a blogosfera

... e é vê-las cair !

mais uma azeitona,
mais um testemunho

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

que os destinos são apenas o território onde nos juntamos aos que connosco lá chegam


Este fim-de-semana fomos a Sevilha. Dia 1 de Dezembro (essa exaltação pátria do tareão com que despachámos aquela malta e enviámos o outro da varanda abaixo) não se afigura ser um dia muito oportuno para ir a terras de Espanha, mas a verdade é que lá os dias não estavam tão ásperos - pelo menos não choviam vendavais como retratavam as notícias que nos chegavam daqui de longe.

Sevilha é Sevilha e não haverá muito para acrescentar às tapas, ao tablao e à giralda que todos certamente já conhecemos. O que varia em Sevilha serão as companhias com que, de cada vez, a desfrutamos. Desta vez fomos com malta da nossa criação, todos gente daqui também, deste blog, pela mesma condição.

Esta Sevilha foi das melhores. Comentávamos os dois, eu e a minha olivalense, que nunca gente tão diferente parecerá tão igual. O Bengas espirrou um pouco, o Belo guia que nem um louco, o Xai não levava as notas de viagem completas mas, ainda assim, talvez pelas nossas companhias femininas, sublimes, passámos uns dias maravilhosos.









































por Fulacunda

artphoto (c) XaiXai

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

as longas tardes do bilas



















por Beira
A propósito do Urié (Arié, Sr Arié ou Bigó) , deixo uma fala de um texto dramático que evocava este personagem (e também o Ai-Ai). A peça na sua totalidade nunca foi levada à cena mas uma parte, "Urié e Rouxinol, uma história de amor", foi representada, por mim e pela Rosário Figueiral, com encenação de Jorge António (e participação ao vivo do saxofonista João Cabrita) no salão da Igreja Nova dos Olivais. Deixo-o com um desafio aos ases do pincel que por aqui andam: uma ilustração com um dos nossos mais célebres personagens, não vinha mesmo a calhar? Ou sobre o Ai-Ai?

3ª Cena
Urié parte o seu “carro” *



(Urié entra com a árvore. Acelera. Deixa o motor ir abaixo. Empurra a árvore)


Urié A-ora é q' é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Esta-ermo! Por ausa de i eixei o vum-vum i abacho! Nã osso alar e con-uzir ao memo empo! Hã!Hã! Ensas o ê?! O mo-mo -or é a-ui ( bateu com a palma da mão na garganta). É a-ui! A-ora empu- a co-igo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Vum-Vum! A-da! ‘Alta cá a entro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) E-a! E-a! E-a! T-agou-se! Tá t-agado! Abes uanto ustou u-a áquina estas! Sto é u-a á-vo-e! Se ou a-ancar ais á-vo-es ó ale ou p-eso! Ou p-eso! O uarda á m' a-isou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O eu ca-o! (virou-se para Rouxinol) Ão abe o é um ca-o! Isica sê oisa gande! (Atirou o pau fora) Ma-ia da g-andeza! Ma-ia da g-andeza! Ma-ia de oisa g-ande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Ó á! O á! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem ca-ô ! Tem ca-ô e o-ta ba-agens! Ganda ca-o! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) G-anda omba! G-anda omba! A-ece memo um ca-o a sé-io! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote simulando faróis) Té dá pá á-dá á oite! (Olhou para Rouxinol) Éres ár uma ólta! U-a g-anda ólta? (Rouxinol concorda e vai a entrar no carro) E-ra!E-ra! Nã ode er a-im! Em he er omo o inema! (Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) E-u-ra-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) À êm! É o eiro de er ovo! Ab-e a ca-ota!

(Deambulam pelo espaço. A luz dirige-se à casa na árvore, ao piso superior)

3ª cena (tradução)
Urié
Agora é que é!(Empurrou novamente a árvore. Dá balanço. Movimentou a perna como se tivesse a dar ao pedal de uma motoreta. O motor começou a trabalhar. Rouxinol riu-se. Ele interrompeu o barulho e voltou-se para ela) Estafermo! Por tua causa deixei brum-brum ir abaixo! Não posso falar e conduzir ao memo tempo! Hã! Hã! Pensas o quê?! O motor é aqui ( bateu com a palma da mão na garganta). É aqui! Agora empurra comigo! (Rouxinol empurrou-a a ele e ele empurrou o ramo. O motor começou a trabalhar) Brum-Brum! Anda! Salta cá para dentro! (Rouxinol sentou-se no ramo. Deram dois ou três passos e o ramo partiu-se) Ena! Ena! Ena! Estragou-se! Está estragado! Sabes quanto custou uma máquina destas! Isto é uma árvore! Se vou arrancar mais árvores ao Vale vou preso! Vou preso! O guarda já me avisou!(Rouxinol afastou-se, ele agarrou no ramo partido) O meu carro! (virou-se para Rouxinol) Não sabe o que é um carro! Precisa ser coisa grande! (Atirou o pau fora) Mania da grandeza! Mania da grandeza! Mania de coisa grande ! (Deu de caras com um caixote de lixo, dos verdes, com rodinhas) Olá! Olá! (Correu para ele. Agarra na tampa. Fecha-a. Abre-a. Fecha-a) Tem capô ! Tem capô e porta bagagens! Grande carro! (Dançou desajeitadamente. Rouxinol que estava escondida apareceu e começou aos berros de alegria. Deitou o caixote do lixo no chão) Grande bomba! Grande bomba! Parece mesmo um carro a sério! (Mirou-o, alargando os braços como se estivesse a tirar-lhe as medidas. Foi buscar um papel de jornal. Tirou uns pedaços e colou-os com cuspo na parte da frente do caixote (que está deitado, portanto a parte inferior) simulando faróis) Até dá para andar à noite! (Olhou para Rouxinol) Queres dar uma volta! Uma grande volta? (Rouxinol disse que sim e vai a entrar no carro) Entra! Entra! Não pode ser assim! Tem que ser como no cinema!(Esticou-lhe o braço e com o maior dos cavalheirismos ela entrou para dentro. Depois fechou a tampa.) Segura-te! ( Rouxinol não conseguiu estar lá dentro com o cheirete do caixote do lixo. Abre a tampa) Está bem! É o cheiro de ser novo! Abre a capota!

* Excerto da peça "É para os putos que não querem comer a sopa".

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

"as longas tardes do guelas (versão maria correia)"



Já se falou aqui na palavra berlinde? Ou essa palavra era apenas de meninas? As meninas jogavam ao berlinde e os meninos ao guelas, seria isto? Lembro-me de ter sacos de berlindes em casa, mas, de facto, não jogávamos muito com eles, o nossso grupo de meninas...por vezes, dava alguns aos amigos meninos...lembro-me de um amigo ter cobiçado um «abafador» esverdeado...já não me recordo se lho dei ou apenas emprestei. Talvez o tenha trocado por um livro do Tio Patinhas...fazia colecção e nunca me fez mal nenhum ler aquilo tudo, por muito mal que se diga daquilo hoje em dia. Lá ia comprá-los ao Tó, religiosamente, sempre que aparecia um novo, isto ainda antes da fase Tintin...Nós andávamos mais a brincar à apanhada, a saltar ao elástico, àquele jogo que se tinha de saltar ao pé coxinho entre uns quadrados, atirando uma pedra...como se chamava isso? Ah, à macaca, recordou-me há pouco o/a Rua Cidade da Beira... ainda fui do tempo dos bailes de roda, mas isso era mais no recreio da escola, e claro, cantávamos «oliverinha da serra, que o vento leva a flor»...também nos divertíamos imenso a brincar às escondidas, à cabra-cega, aqui os rapazes também entravam....e brinquei muitas vezes «aos índios e aos cowboys», numa fase em que os rapazes eram a maioria do grupo. Subíamos árvores e saltávamos muros e depois veio a fase das bicicletas... e dos trambolhões. Ainda hoje tenho uma ferida de guerra, de um dia que caí da bicicleta e me estatelei no chão. O joelho sangrou até mais não, mas fui a correr para casa e escondi aquilo com medo que nunca mais me deixassem andar de bicicleta. Curei-me sozinha com ajuda de mercurocromo e alcool; hoje em dia, usar-se-ia betadine...a sensação de correr os Olivais de bicicleta, na Primavera, na altura em que o bairro era bairro e amplo e livre e havia espaço e não havia carros e, ao longe, se via um grupo de «bandidos», mas que evitávamos circulando imediatamente por outro lado, a sensação enorme de liberdade que tínhamos ao descer por aqueles arruamentos inclinados ( a subir lá ajudavam as mudanças) rodeados de arvoredo e flores e casas onde sabíamos ali mora a Ana, ali o Jorge, acolá a Zita, lá vive o Zé...e...olha aquele senhor que anda sempre com um ramo de árvore atrás dele, já não me recordo como lhe chamávamos, e, olha, ali está o homem dos nogás...era tudo nosso, nesses dias, o ar, o céu, as ruas livres, a cabra-cega, o jogo do mata, as correrias, os berlindes, os guelas...felizmente que as recordações ainda não foram «abafadas» por algum bandido da vida, daqueles maus, mesmo...

27 de Novembro de 2008 15:59

Maria Correia

terça-feira, 25 de novembro de 2008

as longas tardes do guelas (versão bafatá)

Leio o Fula e o Xaixai à volta deste tema redondo, leio o Johny Belo à volta de outro e ganho a certeza de que passar aqui é lufada, de ar fresco e vida, passada e trazida, contada, vivida e dividida.

Pois quanto aos 'guelas' , e suas subdivisões em ' esferas, cebolas, abafadores, estrelas, azeitonas ... todos eles parentes próximos do guelas povo, o tal, o de plástico, simples em sua beleza e cor, os comprados na drogaria de cheiro a 'crio' ou os saídos em rebuçado de tostão, que obrigavam a partir a seta e raspar a redondez da coisa .. ocupante estatístico de tanta saca atada à presilha de rotos calções' .. pois quanto a isso, e à meia-piras, piras e mata, mais a 'santinha' e a 'pedida' que tantos nos levavam, momentos e guelas, tantas nos traziam, importâncias e volume na saca ... os guelas que disputavam às caricas o amor do dono, da sua gula pela 'jihad' , guerra santa, de meninos e ruas, guelas, bolas pequenas, mais tarde trocadas e aprendidas a chutar em balizas de pedra da 'santinha', num chutar saudável de braços e murros no ar, de Maracangalhas inventados e eternizados em cicatrizes de golos gritados. Guelas, elas, manguelas, jolas e não jelas, e gajas e motas, ou seria ganjas ? ou guelanzas .. por onde saltámos mesmo da piras para a mata ? E porque nesses buracos escavámos e guardámos para sempre o ar de quem se é dos Olivais ... e tanto que assim deve ser, que Fulas e Xai's nos trouxeram partes do livro ... daquele tal, de azeitonas que não morrem nunca em braços de sua Oliveira ?


por Bafatá

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

mais uma oliveira


© nuno fonseca

... com ondas hertzianas

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

as longas tardes do "guelas" (versão xai-xai)

[entre o comentário e o post, balancei]

dou comigo surpreso e a magicar como é que o diabo da minha memória, tão fugaz e desvanecida, me proporciona por vezes, elementos tão claros sobre certos assuntos.

vem isto a propósito do magnífico (deves-me um aperitivo), terno (deves-me um jantar) e muito bem escrito (deves-me um digestivo) texto do fula sobre "guelas".

1 metro quadrado de terra, 3 pequenas covas equidistantes e estava pronto o terreno de jogo.
“marralhões!!!”
“últimos!!!”
“penúltimos!!!”

- berrava-se quase em simultâneo para definir a ordem dos jogadores.

começavam aqui, os primeiros calores da discussão permanente que eram os jogos de guelas. saltavam as primeiras “orvalhadas” que antecediam as ofensas aos progenitores.

iniciava-se o jogo, e a sequência implacável:
primeira, segunda, terceira, piras, meia-piras e matas.

elemento essencial da técnica do jogo, era o palmo.
a partir do local onde se encontrava o bilas media-se um palmo e daí era lançado.
aqui normalmente, os ânimos acendiam-se.

MANGUEIRUÇA!!! - gritava-se invariavelmente sempre que alguém esticava a mão de forma a imitar o homem-elástico.
havia grandes especialistas no arrastar do dedo mindinho, que servia de apoio ao palmo. normalmente saltavam mais uns impropérios, umas referências à castidade das mães e até ocasionalmente uma ou outra “carga de ombro”.

A "SANTINHA"
penso que já aqui referi anteriormente, uma variante de jogo com guelas e que pratiquei na eugénio dos santos da av. de roma, onde fiz o 1º e 2º ano do ciclo.
a "santinha".
nos canteiros redondos das árvores, colocava-se uma pasta da escola a servir de rampa em direcção ao seu interior.


cada jogador lançava um guelas que deslizava pela pasta e parava na terra. o primeiro que tocasse num dos guelas estacionados, "abafava" todos e ganhava.

por vezes acumulavam-se por sortilégio do terreno dezenas de bilas e quem ganhava ia com o saco bem pesado.

passámos centenas e centenas de intervalos a jogar à "santinha".
certamente que o mano velho da timor se recorda.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

converseta


© pampam

Anónimo hb disse...

um café e uma água, se faz favor.


oliveira disse...

o senhor disse mesmo "uma fé e um cagaço"?

Domingo de Novembro

Viemos ver a avó nos Olivais. Depois, caía a noite, apeteceu-me descer até ao Centro Comercial. Passámos pela Escola Básica 2+3 dos Olivais, a minha antiga Damião de Góis.
- Esta foi a primeira escola onde eu andei quando viemos para Lisboa.
-E era assim?
- Não. Eram filas de barracões. Quando chegarmos a casa vou-te mostrar as fotografias da escola (no Olivesaria, claro!).
E continuamos a andar, enquanto lhe falo dos lugares onde brincava. As vivendas onde moravam os primos da Bafatá. Há uma espécie de passagem de testemunho que nem o é. Testemunho de quê? Eu tinha quase o tamanho dele, os Olivais eram enormes, o contraste com a paisagem campestre, aquele lugarejo de onde se avistava o grande convento, ele pergunta-me olhando o grande centro comercial,
isto tudo já cá estava também?
não, isto veio depois, olha, ainda estão a construir.
há pouco, quando saímos de casa passámos pelas tijoleiras, muitos carros parados à frente - onde estão os polidores de esquinas agora?, pergunto-me, era sempre com um pouco de receio que enchía o passo em direcção ao ezequiel - dei conta da quantidade de anos que vivemos entretanto, construimos as nossas casas, criámos os nossos filhos, eu durante muitos anos não envelheci, mantinha, apesar de algum cansaço, do desgaste do tabaco, aquela capacidade de fechar os olhos e de fazer um raccord directo a qualquer zona do passado, agora não, agora já não vou lá, falta-me o fôlego, sei que vivi por aqui mas isso é quase que uma história, uma ficção, que construí e conto a mim mesmo, ainda há pouco ao descer no elevador cruzei-me com a teresa do marco, abri o sorriso meio automaticamente e depois percebi quem era, eu já não a devia ver há uns vinte anos, não conheço nenhuma das pessoas que agora passeia cães na cidade João Belo e isso diz tudo, os donos dos cães são uma marca resiliente ao esquecimento, já ao dobrar das tijoleiras, cruzo-me com a mãe da margarida e do diogo, olá, boa noite, digo eu jovialmente, ela não me reconhece, sauda-me rapidamente, está escuro, apercebo-me que os olivais têm o tamanho da mobilidade e da segurança de cada um, para a minha mãe os olivais também são enormes, estou entre dois lugares, os olivais da minha mãe, da casa materna, e os olivais que eu vou mostrando ao meu filho enquanto lhe digo, olha era aqui que o pai fazia isto, ou aquilo. Não há luz no rés do chão da praceta aleixo-corte real, penso, antes de entrar no centro e de me apagar eu próprio na luminosidade forte do festim das lojas, do compra-compra.

as longas tardes do 'guelas'

As mochilas ficavam no hall de entrada e de passagem rasgávamos três ou quatro carcaças que besuntávamos com manteiga e borrifávamos com milo e açúcar. Depois saíamos em passo apressado para só voltar à hora da janta. As horas passavam-se lentas mas os dias corriam velozes. É curioso, não me lembro de em nenhuma dessas infinitas tardes do ano ter chovido, de alguém se ter sumido, de ouvir dizer que o mundo estava avariado, não me lembro de arrelia maior que não fosse perder mais que 5 ‘olhos de boi’ a jogar ao guelas. Não sei precisamente quando se foram abrindo as cortinas para o mundo do lado de fora da nossa rua, mas agora, olhando para trás, irei admitir que terá sido quando passei o saco de berlindes ao meu irmão mais novo. Por essa altura provavelmente já teria aparecido o tulicreme e as tardes já se faziam sentadas numas escadas enrolando uns bonés e esfumaçando argumentações encaloradas. O mundo ter-se-á aí desvendado, opulento, até ameaçador, quando começámos a brincar aos ‘pontos de vista’ e as nossas discussões devanearam para questões bem menos concretas do que o número de berlindes que cada um tinha ganho. Foi por essa altura que mais ganhei e perdi amigos. Ainda assim só muito mais tarde vim a perceber que os amigos para toda a vida nem sempre são aqueles que nos calham em pequeninos, mas aqueles que encontramos ao longo da vida como se tivessem estado à nossa espera desde pequeninos. É também verdade que, por coincidência ou não, uns serão frequentemente os outros, mas isso terá sido da importância desse tempo infinito a esgatanhar a terra que passámos com eles, acocorados, a jogar ao guelas.

por Fulacunda

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

mea culpa

- é sempre benéfico para quem toma decisões contar com aqueles que de forma descomprometida nos questionam e nos apresentam perspectivas diversas da nossa.

- é igualmente benéfico haver quem tome decisões.

vem isto a propósito da modificação operada no modelo de funcionamento deste blogue e que foi patrocinada pelo desodorizante "IMPULSE".


em comparação grosseira, foi como se um náufrago se estivesse a afundar e num ímpeto redentor três "maduros" bem intencionados lhe tivessem "saltado em cima", com todo o voluntarismo é certo mas, quase afundando-o.

felizmente, os amigos não lhes viraram as costas e dispuseram-se a colaborar.


demonstrando apreço pelo "náufrago" e pelos nadadores salvadores, disseram: - "vamos para terra e todos juntos decidimos como o vamos salvar!"

fazendo um inevitável mea culpa sobre a forma como este processo foi iniciado, desafiamos todos os que não consideram o assunto Olivais esgotado, que produzam colaboração no sentido de encontrarmos uma fórmula de funcionamento compatível com o objectivo de manter este espaço vivo e operante. A possibilidade de manutenção de uma conta própria parece-nos um bom exemplo de melhoria a acrescentar a este modelo em construção.

a equipa de manutenção

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Nota Editorial

Este blogue atingiu a maioridade e passará doravante a funcionar de forma mais aberta. A participação, através do contributo de fotos ou de textos, deixará de estar confinada aos autores registados, para se estender a todos quanto queiram participar no mesmo. Por essa razão, passará a haver uma única conta no blogue, a ser administrada, por agora, de forma partilhada pelo Fulacunda, pelo Benguela e pelo Xaixai.

A todos os autores que têm vindo a colaborar neste blogue, e àqueles que se espera venham a engrossar as fileiras destas memórias pede-se que doravante enviem os vossos contributos para o email
olivamos@hotmail.com os quais serão tão breve quanto possível afixados. Deverão nessa circunstância assinar os mesmos ou declarar expressamente a intenção de anonimato.

Contamos convosco.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

S.M.O.


Ao ler o Fula a propósito de outras guerras, referir a instituição “tropa”, formalmente conhecida por S.M.O. (serviço militar obrigatório), recordei a minha colaboração com dezenas de olivalenses que se apresentavam nas inspecções em Setúbal e para quem passar 16 meses em tão “prestigiada instituição” não era exactamente o seu projecto de vida (nunca percebi porquê…).
Na escolha algorítmica do computador das Forças Armadas, foi-me atribuída a especialidade de Operador de Laboratório Psicotécnico, com “assentamento de praça” no Centro de Selecção de Setúbal onde os mancebos da zona sul do país prestavam provas de aptidão, a vulgar “inspecção”. Nessa condição, rapidamente percebi o processo de “enganar” o computador e conseguir que os mancebos, apesar de ficarem aptos, passassem à reserva territorial. Foi assim que se cumpriram 12 meses em que a única coisa útil que fiz foi “apoiar” a geração de oliveiras que foi inspeccionada entre Maio de 1982 e Abril 1983. Apenas um desafortunado olivalense (irmão d(o)e um “índio”), o primeiro que veio falar comigo, e porque eu ainda estava há poucos dias no processo e não dominava a “ciência”, foi chamado a cumprir o s.m.o., todas as outras dezenas a quem prestei “consultoria” (pro bono, esclareça-se) puderam continuar os seus percursos de sucesso como distintos polidores de esquinas, eméritos enroladores de misturas de tabaco ou zelosos aliviadores de prateleiras de supermercado.
Para os mais curiosos, esclareço que o método era muito simples. Os “fregueses”, cerca de 150 todos os dias, eram avaliados num conjunto de parâmetros numa escala de 1 a 5. Combinando a indicação de uma escolaridade baixa e sem mais qualificações adicionais (que na maioria dos casos, não foi difícil), índices médicos médios, uma certa “dureza” de ouvido combinada com “pitosguismo” q.b. e uns testes psicotécnicos a indiciar potencialidades ao nível do “calhau com olhos”, resultava a indicação pelo computador de que a única especialidade disponível era a de s.m.g. (serviço militar geral), utilizada nas tarefas de limpeza e usualmente conhecidos por “escriturários de parada” dada a sua habilidade para o manuseio da “caneta”, também conhecida por vassoura. Ora, para tão "nobre" especialidade o que não faltavam eram mancebos garbosos e atléticos com avaliações físicas de nível superior, que deixavam para trás os nossos estimados oliveiras que se viam relegados para a reserva territorial. Simples e eficiente.

Aos que não serviram a pátria em momento tão atribulado da nossa História e em cuja consciência ainda hoje paira o estigma da deserção, apresento a minha mais fraterna solidariedade, na esperança de que, num futuro próximo o Paulo Portas retome o Ministério da Defesa e estenda o subsídio de ex-combatente às vítimas do stress da deserção. Imagino os traumas e a falta que este percurso vos fez. Coitadinhos dos senhores...

sábado, 1 de novembro de 2008

Por esses Olivais adentro, vamos


No outro dia quando fui visitar o meu manuvelho ao hospital e a meio do caminho comecei a chorar, sem outra razão que não fosse a de que desde que ele apanhou febre tifóide em pequeno um seu simples ataque de espirros me provoca transbordo da bolsa lacrimal, eu percebi que não há nenhuma tecnologia, nenhum upgrade de hard ou soft ware que me desligue da minha árvore, das minhas árvores, uma figueira e uma nogueira, as duas atreladas uma à outra. Não há duas sem três: também esta oliveira, por vezes carregada, outras mais vazia, onde nos (des) encontramos.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Vão trabalhar!







malandros

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

lembras-te, Timor?

quão belos estavam o Maracangalha, o Bolama e o Draivimpe de smoking, um segurando a ventoínha que fazia esvoaçar o cabelos das Divas, outros conduzindo la maquina...
grande concerto, grande noite.


segunda-feira, 27 de outubro de 2008

das guerras que ficam por contar ...

Quando chego a casa já o jantar se havia servido, há muito tempo. Nos dias comuns é a minha mãe quem primeiro chega do trabalho, mais tarde chegará o meu pai e quando finalmente cair a noite já todos nos sentámos à mesa, em família. Hoje, às 8 da noite, faltava eu.

Já ontem tinha chegado atrasado e fui por isso chamado à razão. Agora, olhando para os pratos já empilhados na cozinha, sei que não me espera nada de bom. Mas já estou preparado. Antes, durante as largas horas em que estive escondido na minha trincheira no quintal dos Moreiras pude reflectir demoradamente no assunto e em todas as suas possíveis consequências. É a minha mãe quem me fala agora, diz-me que não compreende como posso achar que eles não ficariam preocupados, que eu tão novo assim e ainda lá fora até tão noite adentro, ela mais de palavras já se vê. O meu pai, o seu olhar - e esse já me bastaria – leva-me à cozinha dependurado nas suas mãos grandes e em duas penadas chega-me a roupa ao pêlo sem mais nada dizer, que nada há para dizer. Lido melhor com ele e assim com isso. Vejo nisso um ponto final e apesar do ardor do correctivo dou-me por tranquilo ao presumir que nada se me aplicará em castigo.

Apresto-me para me retirar, em silêncio. Também eu nada tenho para dizer. Vim sabendo o que me seria devido, resignado já, e por isso abstenho-me de lhes explicar os motivos. Sei que nunca seria capaz de lhes fazer perceber o quão importantes tinham sido as razões do meu atraso. O seu mundo de adultos nunca compreenderia como poderia uma brincadeira de todos os dias afastar-me de um compromisso que eu estava farto de saber ser o único a cumprir em família. Mas sou ainda um miúdo, gosto de brincadeiras idiotas e ainda mal sei medir o impacto que as minhas reacções têm nos adultos. Ficaram furiosos de me ver assim, quedo e resignado, amofinado no meu silêncio sem sequer arriscar uma justificação. Quando dou pelo agravo, quando percebo que eles afinal entendem tudo isso como uma afronta, já é tarde demais.

Três dias de castigo. Três dias sem rua a seguir ao lanche. De repente tudo se esboroa em mim. Já não me sinto sequer no intervalo da guerra que vou ganhando lá fora e de onde vim herói e que há dois dias travo por entre os muros dos quintais vizinhos da Rua 5. A metralhadora que serrei e aplainei de um pedaço de porta velha, e que depois laboriosamente arredondei com a grosa que tantas vezes vi trabalhar nas mãos do meu pai, acaba por se dissolver em cima do baú de entrada nas lágrimas com que a minha vista se embacia. Subitamente compreendo que acabei de perder a guerra. Ninguém lá fora, se contado o sucedido, se comoverá com este meu destino. Por isso nem ponho por hipótese vir a justificar a minha desistência mais tarde. Nem isso provavelmente ficaria bem a um soldado.

G, a mais nova e mais dada das minhas três irmãs, vem sentar-se ao meu colo. Seco os olhos e é ela quem me faz levantar o olhar de novo. Estão ali quase todos os meus irmãos, mudos, até compadecidos comigo. Compreendo então que se eles existem então há quem saiba que eu não fugi da guerra que travava, que apenas fui impedido de a continuar. Outros, em situação equivalente, não terão a possibilidade de partilharem o seu orgulho com quem conhece todas as suas desventuras. Nesse verão, depois do castigo, quase todas as brincadeiras acabaram por ser trocadas pelas descidas endiabradas nos carrinhos de esferas.

Muito mais tarde, quando já em adulto me quiseram voltar a pôr a brincar às guerras, eu simplesmente recusei e por isso não me lembro de alguma vez ter voltado ao reboliço das armas e trincheiras. Mas dessa guerra guardo a percepção dos meus irmãos. De uma guerra que afinal só ganhei junto deles cinco. E de como é importante poder ter ao nosso lado essas pessoas especiais que sabemos estarão sempre dos dois lados da nossa realidade por mais anos que se estendam por diante de nós. Hoje olho para cada um deles e continuo a encontrar-lhes segredos que guardam de mim, das guerras que eu não pude acabar. Fico a pensar que cada um de nós, por mais distante que possa parecer, é sempre uma parte que pode contar ou calar do outro. E fico a pensar - e a pensá-los - na sorte que tivemos em sermos tantos … tantas partes de nós.

Abril de 2007

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

O dia seguinte



Esta fotografia tinha ficado prometida o ano passado ao Benguela. Foi tirada no dia seguinte ao celebrado concerto dos Radar Kadafi e Mler if Dada na Aula Magna com grande presença Olivalense. Durante o espetáculo, o vocalista dos Radar levantou a perna com grande ímpeto num assomo de excitação e performance, e deu com o joelho no nariz. Este gesto teve resultados perniciosos e espetaculares que requereram tratamento hospitalar. Já não me lembro se cantou até ao fim do concerto ou se o espetáculo teve de ser interrompido. Alguns de vocês saberão. Mas lá está ele, a contar a aventura nas escadas, nos Olivais...



terça-feira, 14 de outubro de 2008

filosofia de ponta e mola
















Foi num sábado.
Ainda me estava a habituar a essa nova vida que era andar numa escola bem longe de casa e que me obrigava a andar todos os dias de autocarro durante hora e meia.
Quando chegava aos Olivais o coração apertava pois tinha de percorrer aqueles 300 metros, desde a paragem do 31, na cidade de Lourenço Marques, até à escola.
Será que conseguia chegar lá sem que ninguém me viesse acossar?
Tenho que admitir que nesses quase dois anos devo ter sido perturbado umas duas ou três vezes.
Mas a angústia era diária.
Foi num sábado, num dos primeiros sábados em que tive aulas, que ao sair da escola e ao dirigir-me para a paragem do autocarro encontrei no chão um canivete. O canivete da imagem. O canivete que me passou a acompanhar todos os dias enquanto fazia aqueles 300 metros. O canivete que apertava na mão, no fundo do bolso. O canivete que me iria salvar de quem tentasse perturbar o meu percurso do autocarro para a escola e da escola para o autocarro. O canivete que ainda hoje tenho e que me serve para abrir cartas e cortar folhas. O canivete que me deu a força para todos os dias percorrer aqueles longos e intermináveis 300 metros em segurança.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

ciclos

















Comecei a frequentar os Olivais todos os dias quando ainda vivia no centro da cidade.
Foi em 1972.
Entrei para a Escola Fernando Pessoa para fazer o ciclo preparatório.
Horário da tarde.
Tinha de almoçar às 11:30 para apanhar o 31 e, depois de dar a volta a meia Lisboa, chegar à escola um pouco antes da uma da tarde. E ainda tinha aulas ao sábado de manhã.


No ano seguinte passei para a manhã, a escola passou a ser Damião de Góis e tinha de apanhar o 21 ainda o sol não tinha nascido.
Como colega tive a loura que "obrigou" o Fulacunda a passear o cão com uma regularidade pouco habitual.
E fizemos uma visita de estudo a Alenquer, terra natal do Damião de Goes.

Estas fotografias tirei-as em Junho de 1983.
Alguns anos depois a escola foi toda reconstruída.

sábado, 11 de outubro de 2008

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

( )


quinta-feira, 9 de outubro de 2008

vizinhanças

A pasta escondida


O pretexto foi a grappa mas aquela pasta acabou por inadvertidamente tornar-se a estrela da noite. É que as paredes da casa denunciavam a arte, o traço, o olhar. Vasculhámos à procura de sinais, rastos da evidência de uma expressão mais própria. Ele, o artista, tímido - tão acanhado que é impossível denunciá-lo - lá condescendeu em abrir o espólio. E lá de dentro saltaram esboços, cores, formas mais ou menos acabadas que nos seduziam.

Concentração máxima


quarta-feira, 8 de outubro de 2008

janela, janela, assim de repente ...



... por mais que busque e rebusque, encontro esta, genuina, tirada de janela do quarto mesmo, sem rios nem lonjuras ou grandezas por paisagem mas, há sempre um mas, com dois ingredientes FUNDAMENTAIS naquela nossa infância: muro e amigos, pessoas que ainda hoje recordamos o primeiro e último nome, os primeiros e nunca últimos abraços!

vizinhas

terça-feira, 7 de outubro de 2008

vizinhos

domingo, 5 de outubro de 2008

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Limpeza de material de desenho

Para limpar borrachas, réguas e todo o material de desenho, utilizar tetracloreto de carbono.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

a janela aberta

...até hoje, a minha varanda, e será sempre a minha varanda, ficou por fechar, ela que estava sempre aberta qualquer que fosse a hora do dia e da noite à espera de um assobio ou qualquer outro código de acesso

sábado, 27 de setembro de 2008

A minha varanda


De cada vez que vou a casa da minha mãe divirto-me com a pequena floresta que o meu irmão construiu na nossa varanda. Plantas que trouxe de todos os lados, pedras disto e daquilo, lembranças de lugares. É lá o lugar do café, do cigarro, do pequeno ritual de instalação no dia novo. A minha mãe também gosta muito de lá se sentar e de saborear um fim de tarde. Sempre tivémos uma relação muito especial com a varanda. Os meus pais conseguiram resistir à grande tentação de fechar as varandas que começou a sacudir Lisboa a partir de certa altura. Ou então encontraram grande resistência familiar nessa operação. Tinhamos vindo de Mafra, do campo, do espaço amplo. O mais que os costumes domésticos permitiram foi o fecho da varanda traseira do quarto dos meus pais, e mesmo aí com o argumento de que o meu pai não fumaria tanto pela casa fora se pudesse limitar-se ao seu pequeno "escritório". Muitas vezes ao deambular pelos corredores da casa perco-me nos meus próprios labirintos interiores. Ali naquela varanda recupero um pouco da minha identidade. É quase como se eu me reconhecesse ali, fazendo parte dos meus, pelo apego que todos em comum partilhamos pelo espaço de fora, pela aragem fria, pelo ar mais alegre. Seria mesmo capaz de jurar que ali, diante daquela luz tépida falamos melhor, conversamos melhor, saboreamos melhor essa ideia de que uma família é mais do que um lugar de onde se vem, um sitio para onde se vai.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Uma fileira de prédios, uma rua, escadas onde se emparelham crianças. Um estádio com relvado de cimento, tardes poeirentas, joelhos esfolados, heróis e ciganos que roubam bolas. O bairro a ficar mais comprido e novas escadas, mais gente. Corridas e calores tensos de fim de tarde. Já bandos de miúdos, já se escolhem amizades. Sobem risos e berros cortando o zumbido das horas que passam sem nada fazer. Motas, namoradas, façanhas e regressos gloriosos. Mortes. A vida a crescer, a fazer-se valer. Coisas que se contam em conversas preguiçosas pelo fim das noites entre cigarros, ganzas e grandes amizades. Desfiam-se licenciaturas, artes e outros jeitos que cada um inventa a fazer o seu futuro. Partem dali muitas estradas e os fins de tarde são agora mais distraídos. Já só por acaso as escadas os juntam, barbudos, até carecas, quase sempre de passagem. A cidade de fora cresce, engole-os, uns não voltam, nem tão-pouco se despedem – de quem afinal? outros mais tarde retornam sem avisar. A vida esticou-se e partiu-se em muitos pedaços diferentes e os miúdos, crescidos, ficaram distantes. Visitas de fins-de-semana, bicas, histórias e reencontros rápidos, quase só acenos.

Uma fileira de prédios, uma rua. Escadas. Ouvem-se risos. Alguém na pressa do passar espanta-se de ouvir ali crianças. Mas não. Naquelas escadas já não. Hoje em escada alguma. Haverá outros pousos, pensa. Haverá? Depois vira ao fundo no cruzamento e pára. Um semáforo! Nenhum outro carro pousou perto dele e ninguém lhe viu a interrogação, dentro de si, envelhecer.

domingo ..... 15 horas


.... andarão oliveiras por lá ? Pela Fábrica Braço de Prata...?


A coisa gira em torno do homem Afonso de Melo.... Colva, tigres laranja sombra. Palavras, muitas, escritas e arrumadas de um jeito encantador ...

terça-feira, 23 de setembro de 2008

entre amigos

"Belo é - calar em comum,
Inda mais belo - rir em comum, -
Sob o lençol de seda do céu,
Debruçado para o musgo ou para um livro,
rir alto com os amigos
e mostrar uns aos outros dentes alvos.


nietzsche

sábado, 13 de setembro de 2008

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

em tardes assim ...

... de coisas que saltam para o colo, com cheiro do passado, vestidas de praia e seus bandos de adolescência, de namoros envergonhados e espreitares em biquinis, de mesas abarrotadas de imperiais e bolsos vazios de dinheiro para mais, de motos que dançam por entre carros num grito pela liberdade de um asfalto inconsciente, de balizas de pedras, de lindas raparigas, de muros pejados de vagar em esperas por nada de especial, que não fosse o próximo amigo, a cara seguinte de um mundo secreto e só nosso, em tardes assim que me levam à rua e sua magia de universo sem igual, o nosso, o dos olivais, de tantos olivais, diferentes como só uma familia pode suportar e entender .. é em tardes assim que me faz sentido o ' preto e branco ' das quadradas fotografias da kodak que um dia desgraçadamente perdi ... Por isso, talvez por isso ...

... hoje venho como alguém a quem não apetece mesmo nada deixar morrer este espaço. E se ele se basta com tão pouco, um vir aqui de tempos a tempos, somos tantos, hoje hei-de ser eu a empurrar o écran um pouco mais para baixo.

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

restos de um velho verão



meia praia agosto 1981

(tomei o título de empréstimo)
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