Uma das razões porque insisto tantas vezes que sou um gajo-gaja é porque não me revejo, diria, abomino, a forma como nós rapazes vivemos a descoberta da nossa sexualidade e sempre desejei que pudéssemos ter aquela cumplicidade que, na maior parte dos casos, torna o ser gaja, o verdadeiro sexo forte. Falo por mim, claro. Sempre senti que nós começamos a perder a tesão pela vida logo ali, no início da efabulação sobre a ponta. No meu caso deveríamos estar entre 77 e 78 e eu teria assim, entre os quinze e os dezasseis anos. O Carlos, o Inácio, o Beto, o Zé Manel e eu fazíamos parte da mesma pandilha. Copiávamos olhares furtivos às raparigas, jogávamos matrecos, à bola. E falávamos das nossas proezas. O Carlos (dizia que) enchia frascos de yogurte com o sémen. E (dizia que) fazia sessões de tiro ao alvo com o irmão, em direcção ao espelho da casa de banho, os dois batendo segóvias, ou punhetas. Naquela altura ninguém se masturbava. Eu vivia aterrorizado. Primeiro nem sabia o que era uma punheta. Foi o Zé Manel, com quem tinha mais à vontade, porque já tinha ido a sua casa no Bairro do Cambodja, que me ensinou como se manipularia o pénis. Depois, mesmo depois de ter ido aos Restauradores comprar uma Revista Luxúria e de me ter fechado na casa de banho, a bater uma bela de uma iniciática punheta, só me saía um bocado de pó branco langonhento que nem a parte rasa do boião de yogurte cobria. Ainda, mais ou menos por essa altura, comecei a ser vítima dos rapazes da rua que me queriam fazer amostras. Como não era circuncisado o meu pénis ficava sempre encolhido e na altura da amostra, mais recolhido ficava. Saltavam todos em cima de mim. Todos queriam ver a minha picha. Queriam fazer dela um museu, uma exposição permanente. Só não me suicidei porque, por um lado, tinha vergonha de contar isto a alguém, e depois gostava tanto da vida que pensava sempre que no Verão seguinte a coisa passaria. E passou. Mas deixou marcas. Na ginástica não tomava banho sem antes ter o cuidado de arregaçar a cabeça do pénis, de modo a dar o ar de uma picha circuncisada. Evitava a água fria. Tomava banho num balneário cheio de gajos nus e a pensar nas gajas que fodiam nas revistas pornográficas esperando ganhar alguma protuberância muscular. Mas também não podia ser muito, senão passaria por paneleiro. E vivia aterrorizado pela imagem do dia em que me deitaria a primeira vez com uma mulher. Imaginava que ela iria fazer a mesma coisa do que as bestas dos rapazes. Mas não. As gajas são doces com o sexo de um homem. Tratam-no como se fosse o seu. Chupam-no, comem-no, trincam-no até. Com o correr dos tempos fiz das gajas os gajos que nunca tive. Foram elas que me ensinaram a saborear a maçã. Enquanto a companhia dos rapazes me tornou um gajo inseguro, cheio de medos, foi a primeira mulher com quem me deitei que começou a encher-me de mim. Lembro-me, eu termia. Dizia coisas absurdas como só os gajos acossados sabem dizer. Ela pôs-me a mão na boca. Disse-me,
tás cheio de medo. E estava. Já a imaginava, meio gajo, a dizer, -
Next! Fez tudo ao contrário. E de uma maneira tão doce que eu nunca saberia ou poderia sequer aspirar a saber antever. Disse-lhe,
não te empates comigo. Fodo mal. Não disse fodo, é um efeito literário, na altura não se falava assim. Disse-lhe que era mau nisso. E foi então que se abriu diante de mim o espanto como tem sido sempre assim, desde esse primeiro dia até hoje, disse-me: -
És bonito. És um homem muito bonito. Era terrível, quanto mais inseguro, mais bonito.Houve uma que percebendo que eu estava a ficar inseguro para fazer charme disse: -
Esquece. Não és bonito por ser inseguro. Se fosses seguro serias bem mais bonito. E foderíamos melhor. És bonito porque me fazes desejar que seja dentro de ti que eu me esqueça de tudo, até de mim. Eram assim as mulheres. Cresceram ao contrário de nós. Aprenderam cedo a rir-se das façanhas, a partilhar fenómenos. E embora dissessem coisas surpreendentes, embora fosse ir ao fundo do mundo ficar a ouvi-las sobre a vespertina educação das raparigas, eram também excelentes ouvintes as mulheres que amei. E sossegavam-me apenas com um gesto de olhos, um manso gesto de olhos. Eu era desajeitado, quase nunca conseguia à primeira, mas elas eram meigas, carinhosas, devoradas longamente pelo devotado exercício de fazerem de mim um homem. O homem que as foderia. A paciência que uma mulher tem para antever num homem aquele que a vai comer é uma das coisas mais enigmáticas de todo o universo. A mim ensinaram-me tudo. A pôr e a retirar a cobra entre as pernas. A deixar-me ir na torrente de um gemido. A dizer palavrões, a gritar e a possuir-me. Talvez outros gajos tenham tido sempre e noutros lugares, a felicidade de terem aprendido o sexo entre rapazes. Eu, o único testemunho que posso dar, é a tristeza que, à distância de mais de vinte anos, ainda hoje consigo vislumbrar nas caras aterrorizadas dos putos que não podiam, nem sabiam, desmontar os relatos façanhudos de alguns de nós. E desejo que todos eles tenham tido a sorte, a bem aventurança, de terem aprendido com uma mulher a partirem o sexo em dois, metade macho, metade fêmea. Sempre tive inveja, uma inveja sem par, da educação das raparigas.